Título: Câmbio incentiva renovação de parque
Autor: Rosa, João Luiz e Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2006, Empresas, p. B2

Dos 18,5 mil micros de mesa existentes nos escritórios da Atento, uma das maiores empresas de call center do país, praticamente a metade - cerca de 9 mil máquinas - foi substituída recentemente. Na Telefônica, 5 mil computadores simplificados, ou "thin clients", passaram a equipar a companhia, que também comprou 1,5 mil notebooks. Já a SMS Demag, uma fabricante de máquinas para a indústria siderúrgica, adquiriu um equipamento que duplicou sua capacidade de armazenagem de dados, apesar da decisão da matriz alemã de tirar o pé do acelerador no Brasil.

Os três casos ilustram bem o ritmo enérgico com que companhias de diversos segmentos adquiriram bens de informática em 2006, acelerando ainda mais a tendência positiva que já se via nos anos anteriores. Os números mostram essa exuberância. A consultoria IDC prevê que as vendas de PCs, em unidades, vão encerrar o ano com um aumento de 35%. Para as impressoras, a previsão é de 25%. Já o instituto IT Data estima um incremento de 43% em micros de mesa e de 113% em notebooks.

O movimento foi tão grande que catapultou a produção desses equipamentos ao primeiro lugar entre os 23 segmentos industriais existentes. A constatação é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): entre janeiro e outubro, enquanto a indústria em geral cresceu 2,9%, a fabricação de máquinas para escritórios e equipamentos de informática saltou 52,6%. É praticamente uma China dentro do Brasil.

É verdade que parte desse movimento foi provocado pelo consumidor comum, que aproveitou as vantagens oferecidas pelo varejo para equipar sua casa com um computador. Mas ninguém despreza o impacto das compras empresariais no mercado, principalmente as de setores como o financeiro e de telecomunicações, que costumam adquirir grandes volumes de equipamentos.

"Não há dúvidas de que foi um ano em que o mercado comprou mais tecnologia", diz Manel Benazet, vice-presidente de serviços comerciais e administrativos da Telefônica, apontada como um dos grandes clientes de TI no país. Os fabricantes concordam. "Grandes empresas renovaram seus parques em 2006", afirma Ricardo Menezes, diretor de vendas para as áreas de governo e educação da Dell.

O aumento das compras empresariais é decorrência de uma combinação de quatro fatores - valorização do real, desoneração tributária, contratos mais amigáveis e oferta de crédito - associada a uma premissa básica no mundo dos negócios: a de que, quanto mais difícil a competição, mais é preciso investir para ganhar eficiência, reduzir custos e engordar a oferta de produtos.

"Teríamos que investir em novos produtos, independentemente do valor da infra-estrutura", diz Benazet, da Telefônica. "Você busca eficiência operacional e, para isso, precisa automatizar funções."

A vantagem é que, com os preços em queda, as empresas estão comprando mais sem desembolsar dinheiro extra. "O bolso acomodou melhor as compras", diz Hugo Valério, diretor da Hewlett-Packard (HP). "Se você consegue diminuir os preços em 10% ou 15%, o cliente compra entre uma e uma máquina e meia a mais, com o mesmo orçamento."

Em grande parte, a mágica se deve à valorização do real frente ao dólar. "Esse foi o fator número 1", diz Mauro Peres, da consultoria IDC. A lógica é simples: como cerca de 90% dos componentes do computador são importados, o câmbio deixou os produtos mais acessíveis.

Outro ponto que estimulou os negócios foi a chamada "MP do bem", que isentou de PIS/Cofins os computadores de até R$ 2,5 mil e os notebooks de até R$ 3 mil. Antiga reivindicação da indústria, a medida aliviou em 9,25% a carga tributária que incidia sobre os equipamentos, barateando os produtos. "Foi um ano de demanda muito forte porque o setor finalmente entrou na pauta fiscal do país", observa Flavio Haddad, presidente da Lenovo Brasil.

O reflexo mais notável da desoneração foi o recuo do mercado de computadores feitos com peças contrabandeadas, o chamado mercado cinza. A participação dos ilegais recuou de 73% das vendas no fim de 2004 para 45% neste ano. "Com a tecnologia mais acessível, a tendência do consumidor é partir para um fornecedor conhecido", justifica Armando Toledo, diretor de sistemas e tecnologia da IBM.

A prova desse avanço inédito do mercado legal, que pela primeira vez superou a participação do cinza, é a arrecadação de ICMS. Entre janeiro e outubro, o valor arrecadado pelo setor de informática no Estado de São Paulo cresceu 38,4% em relação ao mesmo período de 2005, segundo informações da secretaria estadual da Fazenda.

Mas isso não significa que os fabricantes de máquinas estejam nadando em dinheiro. "Em termos de volume, foi um ótimo ano de vendas, mas a concorrência também foi ferrenha", diz Mauricio Guizelli, diretor da Itautec. "Tenho dito que saímos da margem de lucro para a beira de lucro."

O cenário favorável atraiu inclusive a atenção de companhias de outras áreas de atividade, como os eletrônicos de consumo. A CCE começou a fabricar computadores e a Samsung iniciou a produção local de impressoras.

Mesmo com mais concorrência, porém, o cenário melhorou, avalia Guizelli. "Ao menos, agora sabemos com quem estamos competindo", afirma o executivo da Itautec. "Com a queda do mercado cinza, todos passaram a trabalhar sob as mesmas regras."

O destaque obtido pelos equipamentos de informática foi tamanho que depois de muito tempo o segmento recuperou, entre as empresas de TI, parte da relevância perdida para os serviços. Nos últimos anos, muitas companhias começaram a se concentrar nos serviços, deixando a área de hardware, cuja margem de lucro era menor. Em 2006, porém, o grande volume na oferta de alguns serviços de informática tirou o brilho dessas atividades, diz Daniel Domeneghetti, diretor da E-Consulting. "Foi um ano mais interessante para os bens de informática do que para os serviços de tecnologia."

Para fabricantes e consumidores, a resposta para obter mais negócios pode estar na conjugação entre os equipamentos e os serviços. Em vez de adquirir uma nova máquina, muitas empresas estão preferindo pagar uma espécie de aluguel pelo seu uso. Foi essa a modalidade escolhida pela Atento para adquirir 9 mil PCs. "Não compramos uma máquina sequer", diz David Cardoso, vice-presidente de tecnologia e infra-estrutura da empresa. "Tudo passou a ser usado no modelo de serviços, com pagamento mensal."

O caso da Demag mostra a importância crescente desse tipo de contrato. Com a concorrência crescente dos chineses e o dólar baixo - o mesmo que favorece a indústria de PCs -, a companhia alemã decidiu retirar seus investimentos do país. A fábrica em Minas Gerais passou para as mãos de uma joint venture com a brasileira Delp, que assumiu 85% da associação. "A situação está difícil e investimos o mínimo possível", diz Lupércio de Sousa Paula Júnior, gerente de TI.

Apesar disso, o executivo aceitou uma proposta da EMC, fornecedora de tecnologia de armazenamento de dados, para substituir um equipamento que já tinha quatro anos de uso. "O contrato mensal de manutenção foi transformado em parcela de pagamento do equipamento", conta Paula. "Se não fosse assim, não conseguiríamos fazer o investimento".