Título: Sonho do carro zero ao alcance do bolso com crédito fácil
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2006, Empresas, p. B5

Tem gente que comprou carro zero-quilômetro no Natal sem tirar um centavo do bolso. Um dos maiores impulsos de vendas de automóveis na virada do ano foram os planos de financiamento, alguns com nada de entrada e primeira das 60 parcelas somente em abril.

A indústria automobilística começou 2006 prevendo uma expansão de 7,1% no mercado de automóveis novos. Fechou o ano com vendas 11,6% acima de 2005, num total de 1,91 milhão de veículos.

A combinação dos juros mais baixos com aumento da oferta de recursos levou os bancos a reduzir as exigências para liberar financiamentos. A roda nesse setor sempre começa a girar a partir do carro usado. Gente que andava de condução descobre que pode financiar um veículo velhinho. Por conseqüência, uma parte de consumidores que até aqui tinham que se satisfazer com a compra de carros usados conseguiu, finalmente, saltar para um zero-quilômetro. Outra parte dessa onda é formada por aqueles brasileiros já habituados a comprar modelos novos com freqüência e que se animaram a antecipar a troca com os apelos do financiamento.

"O difícil no Brasil é saber quanto desses novos compradores são pessoas que não estavam no mercado de carros novos, afirma o presidente da Fiat, Cledorvino Belini. Com ritmo acelerado, a Fiat está se preparando para funcionar em três turnos a partir de fevereiro para poder atender ao aumento da demanda.

A experiência de Belini lhe mostra ainda mais um tipo de cliente. "Quando a inflação baixa, resta mais dinheiro no bolso do consumidor e o nosso setor se beneficia muito com isso", afirma. "Aí tem aquele sujeito que é dono de uma padaria que aumentou a venda de pães e doces. Como as taxas de juros para compra de carro estão interessantes, ele resolve usar o dinheiro que está ganhando a mais para investir no próprio negócio e troca o carro por meio de financiamento", diz o executivo. "Carro é sempre um sonho", completa.

Quando a prestação fica baixa e o prazo mais longo, o aumento nas vendas de carros é conseqüência natural. Quando começou a estudar a tendência de aumento dos prazos das linhas de financiamento para 60 parcelas, o diretor de vendas da Ford, Jorge Chear, tinha dúvidas se isso daria certo.

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Hoje 35% das vendas da montadora são com financiamento de 60 meses. "Existe um acesso ao crédito violentíssimo", diz o executivo. Ele concorda com Belini em relação ao perfil do pequeno empresário que está comprando carro a prazo e usando as economias para investir.

Na Primo Rossi, concessionária Volkswagen de São Paulo, metade das vendas hoje é à prazo. Deste total, 60% são carros que serão pagos em 60 meses. "A maleabilidade na aprovação do crédito pelos bancos melhorou muito", afirma o gerente de vendas, Marcos Leite.

Segundo Chear, da Ford, boa parte de quem está comprando em 60 meses pretende trocar o carro antes desse prazo. O executivo explica que provavelmente esse consumidor voltará à concessionária depois de 24 ou 30 meses para refazer a dívida e levar outro automóvel zero-quilômetro. As taxas de juros para carros novos giram hoje entre 1,4% a 1,5% ao mês. Há 10 anos, data do último recorde de vendas de veículos no Brasil, os juros médios estavam em 2,5%.

Quando assumiu a presidência da Volkswagen do Brasil, em 2003, Hans-Christian Maergner lembra que os dirigentes da indústria automobilística estavam em plena mobilização para pedir ao governo redução de impostos. Os cálculos indicavam que se o preço do carro caísse 10%, o mercado interno cresceria 25% até 2006. O governo não mexeu na carga tributária do automóvel brasileiro, que continua a ser a mais alta do mundo. Mesmo assim, o mercado cresceu 33%.

"Eu nunca achei que essa expansão poderia acontecer sem alteração na carga tributária", diz Maergner, prestes a deixar o comando da Volks no país. Ele acredita que o mercado pode crescer até 2,5 milhões de unidades por ano num prazo de três a quatro anos sem nenhuma medida especial do governo. O executivo lembra que durante os três últimos anos houve uma relação entre redução de taxa de juros e crescimento de mercado de veículos.

Há demanda hoje para todos os gostos e bolsos. Mas cada vez que há uma onda de crescimento nas vendas de carros, o segmento dos populares é o que mais se aquece, segundo Isela Costantini, diretora de planejamento e pesquisa de mercado da General Motors. "Muito se fala de aumento de vendas por conta de um jovem que entra na faculdade, por exemplo; mas a realidade brasileira ainda é aquele consumidor que só pode ter o carro popular e que precisa dele para levar toda a família", afirma ela.

As pesquisas têm mostrado, diz Costantini, que o maior crescimento de vendas está na faixa de consumidores com idade entre 35 a 54 anos . Também continua nítido o aumento da influência das mulheres, que comandam a decisão de compra .