Título: Prazo longo leva empresas a financiar investimentos
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2006, Finanças, p. C8

O ano de 2006 completou a onda de troca de dívida cara por companhias nacionais, com queda de taxas e aumento de prazo na captação por meio de debêntures. O desafio para o próximo ano é fazer com que o mercado de capitais tenha prazos e custos adequados para o financiamento de projetos de investimentos.

O volume de debêntures emitido vem crescendo anualmente desde a crise de 2003. Neste ano, as emissões de empresas não-financeiras mais que dobraram (crescimento de 117%), de R$ 12,888 bilhões em 2005 para R$ 28 bilhões, excluindo as captações de empresas de leasing. (O levantamento não considera as emissões em análise pela CVM).

Se forem incluídas as emissões de empresas de leasing, que normalmente não vão a mercado e são usadas pelos bancos para fazer captações no mercado e driblar compulsórios sobre depósitos a prazo, o aumento foi de 65% (de R$ 41,5 bilhões no ano passado para R$ 68,4 bilhões).

Acompanhando a redução da taxa Selic, ao longo do ano a remuneração das debêntures caiu, e os prazos aumentaram. A melhora das condições internas de financiamento provocou captações de três empresas brasileiras com o melhor risco do mercado, "triplo A". Ambev, Brasil Telecom e Vale do Rio Doce, que só se financiavam no exterior, fizeram as maiores captações de debêntures do ano. Sozinha, a Vale fez a maior emissão do mercado local, de R$ 5,5 bilhões, para refinanciar o empréstimo-ponte tomado no exterior para aquisição da mineradora canadense Inco.

"A taxa básica de juros caiu pela metade nos últimos dois anos e o financiamento local agora é competitivo", diz Hamilton Agle, responsável pela área de mercado local do Citigroup. O prazo médio das emissões também aumentou de três a quatro anos para quatro a seis anos. Várias empresas captaram recursos por sete anos.

Os custos para empresas de mesmo risco caíram ao longo do ano. Em março, a Telemar emitiu R$ 2,16 bilhões por cinco e sete anos, pagando 103% do CDI na primeira série e CDI mais 0,55% na segunda. Em julho, a Ambev emitiu por seis anos pagando 102,5% do CDI e 101,7% do CDI em três anos.

Em dezembro, a Vale do Rio Doce fechou o bookbuilding de sua emissão de R$ 5,5 bilhões pagando 101,75% do CDI num papel de 4 anos e CDI mais 0,25% ao ano numa debênture de sete anos.

Um impulso para o mercado de debêntures neste ano foi dado pelos investidores estrangeiros, que derrubaram o rendimento de títulos públicos depois de receber isenção de impostos para aplicação. "A entrada dos estrangeiros comprimiu o rendimento dos títulos públicos e fez com que outros investidores, que não têm isenção de impostos, buscassem rendimentos mais altos no mercado privado", diz Agle. Os fundos de investimento locais, com patrimônio total de R$ 900 bilhões em novembro, foram os mais ávidos na entrada no mercado corporativo de dívida.

O presidente da Boa Esperança Recebíveis, Eduardo Lisbôa Rocha, diz que a estabilidade macroeconômica está permitindo às empresas brasileiras sofisticar sua administração financeira. A escolha entre financiar-se no mercado local ou no exterior depende agora mais do perfil da companhia do que da disponibilidade de recursos. Empresas com grande volume de exportação podem preferir dívida em dólares para "casar" a indexação no balanço. Companhias mais focadas no mercado interno estão preferindo captar em reais para evitar custos com operações de "hedge" cambial.

Completada a fase de troca de dívida, o volume de emissões em 2007 estará estreitamente ligado ao crescimento econômico, acredita o executivo do Citi. "A partir do momento em que o mercado de capitais passa a ser usado para financiamento de projetos, o desempenho depende muito da expectativa de crescimento e investimentos pelas empresas".

A aproximação da classificação do Brasil como grau de investimento também deve continuar melhorando as condições do financiamento interno. "O mercado vai ganhar muita liquidez quando o país for 'investment grade'", diz Agle.

Por enquanto, um grande limitador da venda de papéis privados de renda fixa é a falta de um mercado secundário ativo como o que existe em papéis públicos. O BNDES está tentando estimular a negociação com uma carteira de R$ 2 bilhões em debêntures que pretende negociar no curto prazo, e a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) está pedindo mudança de regras bancárias que estimulem a negociação de papéis privados. O estoque total de debêntures, de R$ 125,8 bilhões, pode ter cotações diárias mais facilmente se fossem feitas operações de aluguel.

O perfil das companhias no mercado também mudou. A mudança na renda fixa acompanhou os lançamentos de ações nas bolsas. Entre as estréias no mercado de renda fixa em 2006, estão o grupo de laboratórios Diagnósticos de América e a construtora Gafisa.

O grande destaque setorial no mercado de dívida foi o refinanciamento das empresas do setor elétrico, um dos últimos a trocar sua dívida cara. Os setores em melhor situação começaram a trocar sua dívida a partir de 2003. Com resultados melhores depois da mudança do marco regulatório, as energéticas aproveitaram a liquidez para refinanciar o endividamento de alto custo tomado depois do racionamento. Venderam debêntures em 2006 a Companhia Piratininga de Força e Luz , CPFL, Bandeirante Energia, Empresa Energética do Mato Grosso do Sul, Espírito Santo Centrais Elétricas, Copel, Cemig Distribuição, Energisa e Brasiliana (AES). A Cesp, por exemplo, passou o ano refinanciando sua dívida e espera-se para os próximos meses o lançamento de R$ 1 bilhão em Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), com participação de investidores estrangeiros.