Título: Governo quer investimento em fronteiras
Autor: Vera Saavedra Durão e Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2005, Brasil, p. A5

Nove ministérios do governo Lula debatem a possibilidade de fazer alterações na legislação sobre investimentos em faixas de fronteira. A idéia é flexibilizar a atual norma que regula o assunto para possibilitar a exploração de mineradoras estrangeiras nessas regiões. Multinacionais aguardam a posição oficial do Palácio do Planalto sobre o tema. A megamineradora australiana Rio Tinto tem plano para investir até US$ 2 bilhões no pólo de Corumbá, em Mato Grosso do Sul, na fronteira com a Bolívia. O debate interministerial foi confirmado pelo ministro Macedo Soares, do Conselho de Segurança Institucional (CSI), e pelo diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Miguel Nery. Está em análise o envio de um projeto de lei para fazer alterações no atual sistema de permissão de exploração da terra nas faixas de fronteira. A Lei 6.634, de 1979, deverá ser alterada, informa Nery. Está descartada a liberação total das faixas de fronteira para empresas de outros países. A discussão tem sido travada por um grupo técnico da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden), órgão criado em maio de 2003 e presidido pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Jorge Armando Félix. Fazem parte do Creden os ministros da Casa Civil, da Justiça, da Defesa, das Relações Exteriores, do Planejamento, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia. O Ministério de Minas e Energia também participa ativamente do debate sobre as alterações legislativas. Diversas reuniões foram realizadas com integrantes do segundo escalão desses ministérios para debater o assunto. Embora haja forte lobby por parte das multinacionais estrangeiras para liberar totalmente a exploração das faixas de fronteira, o governo já chegou ao entendimento de que devem ser feitas algumas restrições. O texto a ser enviado ao Congresso na forma de projeto de lei deverá estabelecer condições para a exploração por parte das mineradoras estrangeiras. Ainda assim, cada pedido por parte das companhias será estudado separadamente. A definição atende a uma reivindicação dos militares. As Forças Armadas são contra a alteração da legislação atual. Mas aceitariam uma nova lei, com a liberação da exploração por parte de mineradoras estrangeiras, se houver algumas restrições ou condições a serem estabelecidas. Com a posse do vice-presidente José Alencar no Ministério da Defesa, os debates com os militares ficaram mais avançados e a idéia de enviar um projeto de lei evoluiu. Embora os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica não gostem da idéia, o ministério de Alencar já se posicionou favoravelmente a uma modernização da legislação atual. Os debates devem demorar no Congresso. O lobby a favor da Vale do Rio Doce briga para manter a atual legislação e deve complicar as discussões nas várias comissões e no plenários da Câmara e do Senado. O governador Zeca do PT, do Mato Grosso do Sul, de olho nos investimentos prometidos pela Rio Tinto, trabalha para que uma medida provisória seja editada pelo Planalto. A idéia do governador é conseguir uma liberação rápida para a Rio Tinto iniciar os trabalhos. O projeto da empresa australiana já foi discutido e aprovado pelo governo estadual. O investimento da multinacional precisa de licença ambiental para começar a ser tocado ainda este ano, pois inclui a ampliação da produção de sua mina de minério de ferro (Mineração Corumbaense Reunida-MCR) de 1,5 milhão de toneladas para 15 milhões de toneladas até 2007. A empresa promete também a construção de uma pelotizadora e uma unidade de redução direta que será abastecida por minério em pelotas, além de uma usina siderúrgica a ser edificada por sua sócia no negócio, a argentina Techint. A Vale do Rio Doce também já manifestou planos de se instalar no pólo de Corumbá. O anúncio foi feito pelo presidente da empresa, Roger Agnelli, durante almoço de fim de ano da companhia. A Vale tem na região uma mina de manganês, a de Urucum, e uma mina de minério de ferro, com produção de 1,5 milhão de toneladas. A mineradora brasileira planeja investir no local, mas ainda não chegou a detalhar seu projeto. Uma minuta de projeto, favorável à mudança dos artigos 2º e 3º da Lei 6.634/79, já estaria na mesa dos ministros José Dirceu e Armando Félix, informou o diretor geral do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), Miguel Nery. Ele avalia que, se a legislação for alterada ou substituída, a Advocacia Geral da União (AGU) terá de se manifestar novamente sobre o tema (ver matéria abaixo). Nery destacou que não apenas o Mato Grosso do Sul tem tido problemas por conta da lei de mineração de faixa de fronteira. "Há um número expressivo de Estados nos quais existem não só problemas com mineração de fronteira, mas em outras áreas da atividade econômica. Creio que há interesse do governo federal em buscar condições que permitam solucionar esse conflito jurídico, garantindo a soberania nacional, consolidando civilização e desenvolvimento sustentado nessas áreas fronteiriças", diz Nery. Segundo ele, há interesse do governo em ter investimento nessas áreas, somando desenvolvimento regional com obras de infra-estrutura e inclusão social. "O que muda nesse governo é o próprio entendimento de como garantir e ocupar faixa de fronteira, divergindo da forma do passado de impedir atividade econômica sustentada nas fronteiras. O importante é garantir que ela ocorra e ajude a consolidar o território nacional", completou Nery.