Título: Classe média cresce na Rússia e apóia o governo Putin
Autor: Bush, Jason
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2006, Internacional, p. A13

Em muitos países, um líder com o histórico marcado por escândalos como o presidente russo Vladimir Putin já teria, há bastante tempo, sido mandado para casa. Pesam contra ele a condução inábil no enfrentamento das crises dos reféns em Moscou e na cidade sulista de Beslan, a intromissão nas eleições na Ucrânia, e perseguição contra Mikhail Khodorkovski, o ex-executivo-chefe da petrolífera Yukos. Agora, acrescente-se a todas essas desventuras a acusação de Alexander Litvinenko, ex-espião da KGB, em seu leito de morte, segundo a qual foi Putin quem ordenou seu envenenamento.

Apesar disso, na Rússia, Putin continua sendo um herói. Sua taxa de aprovação é pouco inferior a 80%, em grande parte porque durante seu mandato a economia desabrochou de uma maneira que parecia inimaginável durante as crises que fizeram os russos sofrer na década de 90.

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tem sido, em média, 7% ao ano, ao passo que as rendas reais subiram mais que 8% por ano. Putin "é bastante combativo, tanto dentro quanto fora da Rússia, o que é necessário", diz o estudante Kim Volodzanin, enquanto faz compras na loja de departamentos britânica Marks & Spencer em Moscou.

Entre investidores estrangeiros a Rússia também nunca foi tão popular, pois as bolsas decuplicaram na era Putin. E cerca de US$ 17 bilhões em investimento direto estrangeiro (IDE) entraram no país neste ano, cerca de 75% desse montante fora dos setores do petróleo e gás - um sinal animador de diversificação econômica. Companhias como a cervejeira holandesa Heineken e a varejista sueca Ikea estão crescendo rapidamente. Mais de uma dúzia de montadoras, como a Ford, General Motors e Toyota, estão estabelecendo ou expandindo operações na Rússia.

O Citibank neste ano quase dobrou, para 47, o número de suas agências no país e diz que seus negócios na Rússia estão crescendo 70% ao ano.

O que há em comum entre esses investimentos é que todos têm como alvo a classe média russa. Esse segmento cresceu de apenas 8 milhões de pessoas em 2000 para os atuais 55 milhões, e agora corresponde a cerca de 37% da população, estima a Expert, uma firma de pesquisas de mercado em Moscou. Isso está levantando o moral do país.

O percentual de russos que acha que a vida "não está ruim" cresceu de apenas 7%, em 1999, para os atuais 23%, ao passo que aqueles que consideram as condições de vida no país "inaceitáveis" caíram de 53% para 29%, segundo pesquisa recente.

Esse segmento esperançoso está freqüentando lugares como o novo Centro Europeu de Comércio & Entretenimento, nas proximidades da estação ferroviária Kiev, em Moscou. Durante anos, essa área permaneceu vazia - refúgio de bêbados e vira-latas -, mas hoje, no local, há um shopping center de cinco andares com cerca de 160 lojas que vendem roupas, jóias e cosméticos importados. Os cafés vivem cheios e um cinema multiplex está exibindo estrondosos sucessos de Hollywood, como "Casino Royale". "Sem dúvida, a vida está melhorando", diz Alexander Kereev, um jovem músico. "As pessoas estão ganhando mais e gastando mais", acrescenta ele enquanto compra roupas.

Varejistas ocidentais gostam de ouvir isso. Zara, Nike, Body Shop e outras marcas estão abrindo pontos de venda no novo shopping center. "Esperamos que as nossas vendas [em Moscou] atinjam quase imediatamente o nível de Londres ou Nova York", afirmou Ian Zilberkweit, que está instalando a primeira unidade do Le Pain Quotidien em Moscou, operadora local de uma sofisticada rede belga de cafés e panificadoras.

Mas nem todo mundo está compartilhando a prosperidade. Longe disso. O russo médio ganha US$ 330 por mês, apenas 10% da média americana. Apenas um terço das famílias têm carro, e muitas pessoas - especialmente os idosos - foram deixadas para trás. "Claro que a vida antes era melhor", diz Yury Stepanov, 68 anos, que sobrevive com sua aposentadoria estatal de US$ 135 por mês. E embora novos shopping centers, prédios comerciais e edifícios de apartamentos estejam brotando em cidades de porte médio como São Petesburgo e Novosibirsk, continua existindo um fosso entre a capital e o resto do país. "Quanto mais distante de Moscou, maior é o número de descontentes", disse Garry Kasparov, o grande mestre enxadrista e freqüente crítico das posições do Kremlin, numa entrevista concedida a Maria Bartiromo.

Alguns observadores também questionam se a expansão pode ser sustentada. Há pouca dúvida de que um importante impulsionador da riqueza recém-adquirida é o petróleo - e outros recursos naturais. Sem a alta nos preços das commodities, o crescimento econômico teria sido dois ou três pontos percentuais menor durante os últimos três anos, estima a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E é preciso ter em mente que os países em desenvolvimento não têm um histórico muito bom em termos de usar lucros inesperados de uma sensível valorização de commodities para criar a base para um crescimento sustentável.

É preciso reconhecer que Putin usou grande parte das receitas para acumular reservas financeiras. A Rússia criou um fundo de US$ 90 bilhões - o equivalente a 9% do PIB - para proteger-se contra uma queda no preço do petróleo. A política fiscal continua apertada e o Kremlin acredita num superávit orçamentário igual a 7% do PIB deste ano. Além disso, a Rússia está bem à frente da maioria dos outros países ricos em recursos naturais no que diz respeito ao desenvolvimento econômico, com uma longa tradição nas áreas educacional, científica e industrial.

Agora as empresas de tecnologia russas estão começando a competir de igual para igual com os terceirizados indianos. As exportações de software ultrapassarão o US$ 1,5 bilhão neste ano, contra apenas US$ 128 milhões em 2001. "Nós realmente podemos competir em escala mundial", diz Dmitri Loschinin, executivo-chefe da Luxoft, maior desenvolvedora russa de software.

Mas economistas advertem que a alta dos preços do petróleo fomentaram complacência. A OCDE alerta que a maioria das reformas econômicas estagnou. Mais grave é que a corrupção e interferências burocráticas continuam a ser obstáculos à atividade empresarial: a Rússia está ao lado de Gâmbia e das Filipinas, perto da rabeira da lista anual da Transparência Internacional, organização que classifica o nível de corrupção nos países em todo o mundo. "É a praga generalizada que assola a Rússia", diz Anatoli Berestovoi, diretor-adjunto de uma companhia moscovita de construção civil. "Para acelerar as coisas, é preciso molhar a mão de algum burocrata".

O mais preocupante é o crescente papel do governo. Desde 2004, o Kremlin assumiu o controle de cerca de duas dúzias de empresas russas, inclusive ativos petrolíferos da Sibneft e da Yukos, assim como bancos, jornais e outras operações empresariais. A despeito de seu esporádico apoio a reformas pró-mercado, Putin apoiou as gigantes nacionais, como a Gazprom e a Rosneft, ambas do setor energético. A participação do setor privado na produção caiu de 70% para 65% em 2005, ao passo que as empresas estatais hoje representam 38% da capitalização no mercado acionário, acima dos 22% de um ano atrás.

"A tendência que efetivamente nos preocupa", diz William Tompson, o mais graduado economista da OCDE na Rússia, "é o enorme aumento da participação estatal na atividade econômica".

Por ora, porém, poucos russos de classe média parecem compartilhar as preocupações da OCDE em relação à economia, ou da comunidade internacional frente à sinistra reputação do presidente.

(Tradução de Sergio Blum)