Título: Os rumos da política econômica e "espetáculo do crescimento"
Autor: Ferrari Filho, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2006, Opinião, p. A14

Semanas atrás, as matérias econômicas dos principais meios de comunicação do país centravam atenções em um embate entre as alas "desenvolvimentistas" e "monetaristas" do governo sobre quais deveriam ser os rumos da política econômica no segundo mandato de Lula. Por um lado, havia um grupo que entendia que a política econômica da "era Palocci" tinha chegado ao fim, sendo, portanto, necessário flexibilizar as políticas fiscal e monetária e uma maior intervenção do Banco Central (BC) no mercado de câmbio, visando, com isso, mitigar a apreciação do real em relação ao dólar nos últimos anos. Por outro, encontravam-se aqueles que advogavam um ajuste fiscal mais contundente, à la déficit nominal zero, que defendiam o ponto de vista de que "goleiro (política monetária) deve tão-somente defender (controlar) o time de levar gols (inflação), não se preocupando em fazê-los (crescimento econômico)" e que o mercado, no longo prazo, tende a encontrar uma taxa de câmbio de equilíbrio. A discussão era e continua sendo pertinente, principalmente considerando que a taxa média de crescimento do PIB, supondo que em 2006, conforme projeções mais recentes do próprio BC, ele cresça 2,8%, no primeiro mandato de Lula é da ordem de 2,6% ao ano. Se ampliarmos a análise para o período dos últimos oito anos (1999 a 2006), a referida taxa apresentará crescimento de 2,3% ao ano.

Uma retrospectiva sobre os objetivos esperados e os resultados alcançados pela política econômica nos últimos oito anos nos ajuda a entender porque o Brasil tem crescido a taxas tão baixas e nada sustentáveis - o crescimento econômico, inclusive, tem se caracterizado por uma dinâmica de stop-and-go - e porque o embate se faz presente às vésperas do início do segundo mandato de Lula.

Como é do conhecimento de todos, desde 1999 a condução da política econômica tem sido alicerçada nos regimes de metas de inflação, de superávits fiscais e câmbio flexível. Sob o regime de metas de inflação, o objetivo da política monetária é manter a taxa de inflação controlada, de preferência no alvo da meta pré-estabelecida. Em outras palavras, taxas de juros balizam a performance da inflação. Metas de superávits fiscais têm como finalidade reduzir ou estabilizar a relação dívida pública/PIB. A flexibilidade cambial, por sua vez, em um contexto no qual o mercado de divisas, cedo ou tarde, encontra o preço de equilíbrio da moeda nacional (real) em relação à(s) moeda(s) de conversibilidade internacional, visa equilibrar as contas externas. Nos últimos oito anos, quais são os resultados alcançados com os regimes monetário, fiscal e cambial?

No que diz respeito às metas de inflação, nossas considerações são as seguintes: 1) as metas inflacionárias não foram cumpridas em três (entre 2001 e 2003) dos oito anos observados e em 2004 a inflação somente manteve-se dentro da meta inflacionária (0,4% abaixo do limite superior) depois que ela foi revisada para cima no referido ano; 2) a inflação média do período é de 7,6%, muito superior, portanto, ao alvo do BC de 4,5% ao ano; e 3) a despeito de a taxa básica de juros, Selic, ter se mantido em um patamar muitíssimo elevado entre 1999 e 2006, média anual de 19,2%, a inflação brasileira continua alta (7,6% média anual) comparativamente à inflação de outros países emergentes, pois ela é muito sensível a choques externos e à dinâmica dos preços públicos e administrados.

-------------------------------------------------------------------------------- Inflação brasileira ainda é alta quando comparada à outros países emergentes, por ser muito sensível aos choques externos --------------------------------------------------------------------------------

Por mais que o arrocho fiscal - seja sob a ótica de contingenciamento de gastos, seja sob a ótica da elevação da carga tributária - tenha sido recorrente nos últimos oito anos, a relação dívida pública/PIB elevou-se de 46,9%, em 1999, para 50,5%, em 2006, segundo previsão do BC. É importante mencionar que em 2003 esta razão chegou a 58,7%.

Em relação à taxa de câmbio e ao contrário do que se esperava (que o "leiloeiro" encontrasse um preço - câmbio - de equilíbrio), a volatilidade e a tendência de apreciação do real frente ao dólar e a outras moedas de conversibilidade têm sido recorrentes. Por exemplo, nos últimos quatro anos as taxas médias anuais, reais por dólar, foram de 3,08 (2003), 2,92 (2004), 2,43 (2005) e 2,18 (previsão do BC para 2006). Nesse particular, nunca é demais ressaltar que a valorização cambial põe em risco, em futuro próximo, a manutenção dos expressivos superávits comerciais que o País vem registrando nos últimos anos.

Diante do exposto, uma conclusão e uma reflexão: conclusivamente, os regimes monetário, fiscal e cambial não têm alcançado os objetivos esperados. Dentre estes, talvez o regime monetário de metas de inflação tenha sido o mais bem sucedido nos últimos anos, uma vez que a taxa de inflação vem sendo decrescente e mantendo-se abaixo da média do período. A reflexão está relacionada ao fato de que juros básicos elevados, política fiscal contracionista e câmbio volátil e supervalorizado não despertam o animal spirits dos empreendedores, parafraseando Keynes, e, por conseguinte, o investimento e o PIB não crescem.

Para finalizar, como a política econômica implementada a partir de 2003 foi opção do presidente Lula e ele tem dito reiteradamente que "não se muda time que está ganhando", depreende-se, então, que a discussão, naquela ocasião, governamental entre "desenvolvimentistas" e "monetaristas", não passava de aparência. Portanto, estamos fadados, a partir de 2007, a ter outro "espetáculo do crescimento" de 2,7%, média anual, caso, naturalmente, o cenário internacional seja de bonança.

Fernando Ferrari Filho é Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pesquisador do CNPq e co-organizador de "Câmbio e Controle de Capitais", Campus/Elsevier, 2006.