Título: Pressionada, Vivo faz ajustes para reagir aos concorrentes
Autor: Moreira, Talita e Brandimarte, Vera
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Empresas, p. B3

O ano foi difícil para a Vivo. A maior operadora de telefonia móvel do país, com 28,8 milhões de clientes em outubro, viu sua participação no mercado encolher mês a mês. Números preliminares divulgados ontem pela Anatel indicam que a situação não mudou em novembro. Adepta de uma tecnologia (CDMA) que tem pouca escala, a empresa enfrentou dificuldades para reagir ao avanço das concorrentes TIM, Claro e Oi.

Mas 2006 também foi um ano de grandes mudanças. Após concluir uma reestruturação societária, unificar sistemas e combater fraudes e clonagens - um problema que arranhou sua imagem -, a Vivo decidiu investir na construção de uma rede GSM, que funcionará em paralelo à sua infra-estrutura atual. O projeto representa um investimento de mais de R$ 1 bilhão e deverá estar concluído no primeiro trimestre de 2007. Com a tecnologia, que já é usada por suas rivais, a operadora controlada pela Telefónica e pela Portugal Telecom espera se tornar mais competitiva.

"Fizemos a lição de casa", diz o presidente da Vivo, Roberto Lima, que chegou à empresa em meados do ano passado, egresso da Credicard. O executivo pode estar prestes de enfrentar o desafio de não ser mais líder se a TIM for, de fato, vendida para a Claro. Porém, afirma que liderança nem sempre é ter a maior participação de mercado. O executivo vê a consolidação como um movimento que pode ser positivo. Leia os principais trechos da entrevista de Lima ao Valor:

Valor: Como a Vivo está posicionada para se desenvolver daqui para a frente?

Roberto Lima: A empresa foi criada como líder de mercado, com participação de quase 50%, havia sido um sucesso fantástico no lançamento da marca. E a partir daí se criou uma expectativa muito grande sobre sua atuação. Na época não era tão evidente que a tecnologia era um problema porque ainda não se tinha o referencial do GSM. Então a empresa estava muito bem posicionada. Talvez naquele momento pudessem ter sido feitas coisas que não foram. A questão da tecnologia sempre esteve ali, mas tinha prós e contras. O mercado até hoje valoriza muito a qualidade da nossa cobertura, a velocidade de transmissão de dados. Num determinado momento a gente disse: bom, já ganhamos competitividade na esfera de clonagem, nas instâncias internas com a reestruturação societária, com a unificação dos sistemas, mas não temos competitividade no preço dos aparelhos. E aí não tinha jeito. O CDMA perdendo escala no mundo, e escala nesse mercado é tudo. Então uma discussão que era uma questão só tecnológica, passou a existir também no aspecto econômico-financeiro.

Valor: Houve resistência interna à adoção do GSM?

Lima: Não, porque nosso projeto não é de substituição de tecnologia. Aliás, é o diferencial competitivo que temos. Vamos continuar com a rede de CDMA, que é de altíssima qualidade, principalmente para o mercado corporativo, consumidor de aplicações mais sofisticadas que envolvem transmissão de dados. E vamos para o GSM para resolver principalmente a questão do preço do aparelho, e ao mesmo tempo atender a necessidade de clientes que não são grandes em número, mas muito importantes em valor, que são os que fazem roaming nacional e internacional. No meio do caminho havíamos encontrado soluções de como criar um telefone híbrido, que funciona em CDMA e GSM, mas é caro, não é uma resposta de mercado muito eficiente. Então, a ida para o GSM foi mais ou menos óbvia e bem comunicada para a equipe num momento em que a gente precisava de alguma coisa para relançar a empresa.

Valor: Mas quem faz roaming normalmente também é o cliente corporativo. Como conciliar soluções mais sofisticadas com a necessidade de fazer roaming?

Lima: Tem algumas áreas da empresa que precisam usar aplicações em laptop. Aí com certeza vão usar as placas EV-DO [CDMA]. Para as equipes de vendas, hoje temos algumas totalmente automatizadas com o uso do CDMA. Só que para as regiões de Minas Gerais e Nordeste a gente vai entrar com uma outra solução. Então, dependendo do volume que nós tivermos vamos ter CDMA e GSM nessas regiões e dar continuidade a à prestação desses serviços. Resolvido o problema do Brasil, a Anatel aprovou, para colocar em consulta, o edital da licitação de licenças de uso do espectro [que interessa à Vivo para entrar em Minas e parte do Nordeste, onde ainda não atua]. Essa é uma frente onde a gente também investiu muito tempo e ela é importante para a gente ter uma cobertura nacional em CDMA e GSM. Mas quando eu falo do cliente que faz roaming estou falando não só do corporativo, mas do individual. E para o individual é fácil. É só ter o GSM, ele pode viajar. Se ele quiser manter um aparelho CDMA, não temos problema nenhum, nós vamos manter nossa rede CDMA.

Valor: Vocês vão trocar o aparelho para ele?

Lima: Não. Eu não quero entrar em detalhes sobre nosso plano de lançamento. Vamos manter a rede CDMA e a GSM, que a gente espera com a mesma qualidade.

Valor: Mas o sinal GSM não é tão eficiente, por exemplo, em subsolos, elevadores, garagens...

Lima: O GSM não é tão eficiente, mas nossa freqüência é em 850 megahertz, com propagação melhor. Mas, na garagem de casa, os celulares das outras operadoras não pegam e o meu vai pegar.

Valor: O cliente que quiser ter o CDMA e o GSM vai precisar ter o telefone híbrido?

Lima: Se quiser CDMA e GSM, vai poder ter dois aparelhos. Ou então vai ter esse [híbrido]. Mas essa questão teve um fator de motivação muito importante. É muito raro, no mundo, construir uma rede com 8 mil estações de rádio numa velocidade tão grande, para o primeiro trimestre.

Valor: O sr. acha que o GSM deu ânimo novo à à Vivo, num momento em que ela estava perdendo participação de mercado?

Lima: Sem dúvida. Tem que ter projeto. E nosso projeto era ter uma holding chamada Vivo Participações, uma empresa chamada Vivo S.A. Pela primeira vez, tivemos uma empresa com Vivo na razão social, porque antes era uma marca e na fatura apareciam Telesp Celular, Telerj, Telegoiás. Isso é muito simbólico. Hoje os funcionários percebem que a Vivo tem um projeto de ser uma empresa de qualidade. O lançamento da rede GSM foi um elemento de motivação fantástico. E para o cliente, é irrelevante se é GSM ou CDMA, o que ele quer é ter um bom serviço. É o nosso desafio.

Valor: A Vivo vai disputar a Telemig Celular? Ela é estratégica?

Lima: Não posso comentar isso.

Valor: Qual é o foco da empresa: abordar um público de alta renda, que já é seu cliente, e fazê-lo consumir mais, ou ainda brigar por quantidade?

Lima: O Brasil é um país de contrastes, então você pode oferecer serviços de valor agregado, acesso à internet, jogos. Tem público para essas coisas. Mas mesmo nesse público a tendência é de queda de preços. As pessoas querem usar mais e pagar cada vez menos. Você vê aí o triple play [oferta múltipla de serviços por um mesmo provedor]. O quadro tecnológico vai ser solucionado, a parte regulatória vai ser solucionada. A questão é saber em que modelo econômico isso se insere. Pára de pé? Então, mesmo nos segmentos mais altos a questão do equilíbrio econômico se coloca. Se coloca também porque no Brasil o subsídio foi estimulado como forma de criar a penetração nas classes mais baixas. É o que faz com que nossas margens de ebitda [lucro operacional] sejam diferentes de outros países. Quando começar a haver a necessidade de ajustar o preço do serviço, provavelmente o subsídio deixará de ser tão importante. Qualquer baixa que você faz no preço dos serviços tem um impacto muito grande. O celular é um elemento que pode ajudar na inserção social. Num país do tamanho do Brasil, você tem que ter serviço universal.

Valor: Adianta ter aparelho barato, até de graça, com o minuto do pré-pago a R$ 1,20, R$ 1,40?

Lima: Existe uma tendência na redução do preço do serviço. Como as empresas vão acomodar isso nas suas contas vai depender da estratégia que elas querem ter. Hoje, a Claro é a empresa que puxa no preço de aparelhos e está trazendo uma camada da população de consumo extremamente elevado e uma camada de baixo consumo. Mas ela quer ter um número muito grande de assinantes, o que aumenta a probabilidade de as pessoas se falarem dentro da própria base, uma estratégia que tem o seu valor. Mas o preço do serviço sendo mais alto acaba desestimulando o uso. Só que baixar o preço em bases tão grandes acaba criando um problema nas contas das operadoras. Elas já subsidiaram e agora vão ter uma baixa na receita de serviço? A conta não fecha.

Valor: Mas apenas quando o subsídio diminuir é que haverá condições para a redução no preço dos serviços? Qual a empresa que vai começar a fazer esse movimento?

Lima: Nós fizemos. Lançamos planos em outubro em que se considera que as pessoas podem consumir 30% a mais com o mesmo valor. No pré-pago, fizemos uma redução efetiva de preço por meio da bonificação de tráfego em até às vezes até cinco vezes o valor recarregado. No SMS a gente cobrava R$ 0,60 em São Paulo e baixou para R$ 0,34. O tráfego subiu e a receita não caiu, porque teve elasticidade. É a prova do que eu estou falando.

Valor: Na sua infra-estrutura de rede, havia folga para suportar esse aumento de tráfego?

Lima: No segundo semestre de 2005 investimos muito em rede porque a gente esperava um volume muito grande no final do ano. A Vivo tinha enfrentado problemas no Natal de 2004, uma época de pico. Hoje quando eu falo que temos uma excelente rede CDMA e estamos investindo em uma rede GSM, exatamente o que a gente quer é ter capacidade para absorver mais tráfego a preços menores.

Valor: Mas a empresa está equilibrando a conta com o preço de aparelhos, reduzindo subsídios?

Lima: Nós reduzimos. Não entramos na loucura de novembro, quando os concorrentes levaram aparelhos gratuitos e a R$ 9,90. Acompanhamos apenas uma última oferta junto com um fabricante com celulares a R$ 10, em número limitado. Na fase de investimentos em que estamos não vamos fazer loucura.

Valor: Nesse negócio o que vale não é ser líder, isso não conta nada?

Lima: O mercado valoriza muito a questão da liderança. Primeiro, liderança às vezes é confundida com 'market share'. A Varig já foi líder. Nos Estados Unidos, a Delta e a American Airlines já foram líderes. Hoje quem bate o tambor é a Southwest, que tem participação de mercado menor que a dos outros dois, mas tem as melhores contas, os clientes mais satisfeitos e determina um certo padrão. Isso é um exercício de liderança.

Valor: Mas ser líder em participação de mercado é relevante?

Lima: É relevante. Quanto mais gente você tiver na sua base mais probabilidades existem de que as pessoas falem entre si, o que faz com que o custo seja mais baixo e a receita seja igual. O quão é importante ter 30 milhões de clientes, 32 ou 33 milhões... Quanto você tem que pagar para ter esse adicional de 10%? Nós temos escala suficiente. Agora, a grande medida de participação no mercado é em receita.

Valor: Por quê?

Lima: Porque ainda existe uma necessidade de investimento muito grande. Então essa questão de participação em receita é importante porque o setor ainda vai precisar investir em cobertura, sistemas. Então é necessário que você tenha margem. E além do mais você tem que financiar investimentos a uma taxa que, aqui, é mais elevada do que lá fora.

Valor: Como o senhor vê a questão regulatória? Ela está atrapalhando o setor?

Lima: Vou dar uma opinião muito particular. Considero que a Anatel faz um trabalho muito bom, tenta reagir na velocidade das demandas do mercado. Mas nem sempre isso é possível, ainda mais porque o mercado anda numa velocidade assustadora. Essa questão do 'triple play' até bem pouco tempo atrás era teoria, e hoje já é uma questão colocada na prática. Não é fácil criar uma legislação de forma tão rápida para uma coisa tão complexa, preservando os interesses de cada ente econômico.

Valor: De onde deveria partir essa sinalização de mudança? Da Anatel, do ministério?

Lima: Não acho é uma tarefa só do governo. As próprias empresas têm que discutir e negociar. Quando houve a questão da TV digital a gente viu a preocupação do governo muito em definir um padrão, quando a primeira discussão deveria ser sobre o modelo de negócios. Como é que isso vai funcionar? Que tipo de conteúdo a gente vai colocar? Quem vai produzir esse conteúdo? São coisas que não precisam ser discutida no governo.

Valor: Isso é uma discussão do Congresso, da sociedade?

Lima: É também entre os entes econômicos, no sentido de procurar um primeiro nível de entendimento entre eles próprios. Posso fazer um acordo com a Globo e a gente acertar o conteúdo que vamos transmitir. Já tenho conteúdo da Globo, da Band. Na TV digital, isso vai ter que ser discutido porque ninguém vai querer perder a oportunidade de acessar 100 milhões de clientes a todo momento.

Valor: Porque na TV digital o conteúdo de TV não passa pela rede das teles. Vai competir com você pela atenção dos clientes...

Lima: Exatamente. Agora, quem vai vender o aparelho e quem vai subsidiar? Se eu vou vender, vou subsidiar, vou usar minha estrutura de lojas, vou pagar comissão ao varejo, então qual é o modelo de negócios? O modelo de negócios só pode ser resolvido entre as partes. Não cabe ao governo dizer 'você vai fazer um contrato assim com aquela empresa e vai cobrar tanto, vai pagar tanto'. É o tipo de transação que a gente não quer ter.

Valor: Mas não há uma lentidão na mudança de regras? É algo mais presente nas teles fixas, mas dá a impressão de que empresas se cansaram de esperar e estão fazendo...

Lima: O setor é relativamente novo e tem situações diversas. As fixas têm uma rentabilidade relativamente boa, mas também têm risco de perda de receita. De outro lado, estão as móveis, um setor em alto crescimento de usuários e uma necessidade elevada de investimentos. São setores que estão negociando em situações diferentes e fica difícil um ceder para o outro. E o fato de o setor ser novo ainda cria dificuldades de negociação e a coisa é escalada para cima. Faz apelo à Anatel e ela fica numa situação difícil. A Anatel tem de olhar, sim, o resultado das negociações, mas do ponto de vista do interesse público e do desenvolvimento das telecomunicações, não ficar de árbitro entre as empresas.

Valor: O fato de as operadoras terem, por exemplo, interesse em TV por assinatura e esbarrarem na Lei do Cabo não mostra que estamos num novo momento?

Lima: Aí entra a questão da velocidade da Anatel para acompanhar as mudanças de mercado. Há cinco anos, se você perguntasse às fixas se entrar em televisão era prioridade, provavelmente a resposta seria não, porque ainda havia um crescimento de receita. Quando você começa a atingir um nível de saturação no mercado, cria-se uma nova dinâmica de mercado que precisa ser entendida. Aí sim precisa haver uma evolução do quadro regulatório. Mas não é que seja ineficiência da Anatel. É muito mais da complexidade. Tem que ouvir a sociedade, os interessados e academia.

Valor: Esse debate seria um motor para que se chegasse a um projeto que tramitasse no Congresso?

Lima: Sim, transformar isso em lei, ou se possível embaixo da Lei Geral das Telecomunicações. Tem que haver um debate profundo. Tudo isso tem que estar à prioridade nacional. Esses setor não existe só para ser uma função econômica, tem um papel fundamental na questão da educação, que é o maior elemento para alavancar o crescimento.

Valor: Diante disso, o senhor acha que a consolidação entre as teles pode ser saudável?

Lima: Na situação atual, em que você tem empresas de telefonia móvel com margens de lucro negativas que são muito provocadas pelo estímulo à competição feito pela Anatel, sim. Uma das soluções seria o compartilhamento de infra-estrutura. Mas é difícil porque exige esse acerto entre empresas que ainda se vêem como concorrentes muito fortes e consideram a cobertura um diferencial. Na falta dessa solução, a consolidação quase se torna necessária, porque ninguém vai continuar perdendo dinheiro indefinidamente. Você tem empresas como a Telemig que têm que tomar uma decisão. Ou ela investe brutalmente para competir com todas ou passar por um processo de consolidação. Tem a questão da TIM, que é uma motivação mais externa, mas que também pode criar uma concentração. E isso, de certa forma, vai melhorar a conta de todo mundo.

Valor: Por que não se consegue aprofundar essa discussão?

Lima: É uma questão de tempo, de maturidade. Transporte aéreo tem 60 anos no Brasil, a indústria de celular tem oito. Cresceu numa velocidade que gera seus próprios problemas. Essas questões vão ficar um pouco mais flagrantes e o mercado financeiro vai exigir. Já está caindo o peso das teles na bolsa.

Valor: Isso acontece também porque as empresas acabam penalizadas por questões societárias, como Telemar e Brasil Telecom...

Lima: Mas isso se resolve. Mas resolver a questão societária não resolve o modelo de negócios, que continua com a receita baixa, alta necessidade de investimentos e alto custo comercial.

Valor: Comenta-se muito no mercado sobre as dificuldades de relacionamento dos controladores da Vivo...

Lima: Sai um volume enorme de coisas na imprensa. Isso só mostra que a Vivo é um ativo de grande valor. Não estamos falando de uma empresa que é uma pedra no sapato dos acionistas. O simples reconhecimento disso faz com que os acionistas tenham um cuidado muito grande no trato da empresa e perceber que ela não pode continuar perdendo substância. Daí para a frente as relações progrediram muito e permitiram tomar as decisões importantes que tomamos.

Valor: Podemos dizer que está sendo "abrasileirada" aquela divisão do que é português e o que é espanhol?

Lima: Já mudou. Aquele pessoal que brincava com o Tratado de Tordesilhas, eu diria que ele foi revogado.