Título: Planejamento tributário com o uso de precatórios cresce no RS
Autor: Teixeira, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2006, Legislação & Tributos, p. E1

A crise econômica do Rio Grande do Sul não afetou o funcionamento de pelo menos uma indústria do Estado: a de planejamento tributário com precatórios. Desde 2002 a atividade vem crescendo, aposta em novas teses e colhe mais clientes com o impacto econômico do desajuste cambial. Os dois principais escritórios especializados na área administram o ICMS de quase 900 empresas e pagam R$ 30 milhões mensais em tributos. Mas estima-se que no Estado há duas mil empresas que fazem operações com precatórios.

O planejamento tributário com precatórios é combatido pelo fisco estadual e considerado extremamente arriscado por escritórios empresariais tradicionais. Contudo, os ganhos fiscais polpudos garantem empresas interessadas e a dívida crescente do Estado com precatórios - estimada em pelo menos R$ 3 bilhões - alimenta a oferta de créditos públicos baratos. As poucas bancas especializadas no assunto trabalham na consolidação de teses locais para ampliar seu leque de clientes, atraindo empresas menos propensas ao risco: aquelas que têm saúde financeira e estão interessadas simplesmente em cortar custos fiscais.

A aposta dos escritórios de advocacia especializados no assunto é emplacar o uso de precatórios na compensação tributária, ou seja, no pagamento de créditos em dia. A tese tradicional em outros Estados, e já consolidada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é o uso de precatórios para o pagamento de dívidas já vencidas. Segundo o advogado Nelson Lacerda, do escritório Lacerda & Lacerda Advogados, um dos dois grandes escritórios que atuam na área em Porto Alegre, a operação com dívidas vencidas em execução atraem apenas empresas quebradas - e sem interesse comercial até para o escritório. O ideal, com a tese da compensação, é atrair empresas solventes, adimplentes e com capacidade financeira. O Lacerda & Lacerda tem cerca de 400 clientes na carteira, para quem administram o pagamento mensal do ICMS via compensação.

Segundo Cláudio Curi, do escritório Curi Créditos Tributários, com 467 clientes também operando com compensação, além de resolver pendências tributárias e garantir alívio financeiro, a disputa pode dar um diferencial competitivo às empresas: a operação reduziria de 17% para 4,4% a carga de ICMS, o que pode ser repassado para os preços. O uso de créditos alimentares - os mais baratos do mercado e principal aposta da banca - garante um desconto de pelo menos 65% no custo fiscal. Isso porque as empresas comprar precatórios em atraso com deságio e compensam com os tributos devidos pelo valor de face.

O Curi Créditos Tributários tem também operações no Paraná e Minas Gerais e neste ano se associou a uma corretora de precatórios paulista - a Cicomac - para lançar a tese em São Paulo. O escritório iniciou os trabalhos com dez clientes, para quem ajuizou inicialmente as consultas administrativas no fisco paulista.

Segundo Nelson Lacerda, as operações tradicionais com precatórios já ocorriam há pelo menos dez anos, mas o mercado ganhou impulso a partir de 2002, quando o Rio Grande do Sul aprovou uma lei autorizando o uso de precatórios para fins tributários. O Estado nunca regulamentou a lei e nem aceitou a compensação tributária administrativamente, mas a aprovação do texto foi o ponto de partida para o ajuizamento das primeiras ações. Os tribunais, inclusive o STJ, entenderam que a lei não precisava de regulamentação para ser aplicada. Mas o Estado revogou a lei no início de 2004 e as bancas tiveram que lançar novas teses para se acomodar à nova realidade.

Segundo Lacerda, com a revogação da lei, em 2004, o escritório perdeu alguns clientes, mas alguns deles estão voltando, mesmo alguns que nunca contaram com a operação. O escritório, diz, conta agora inclusive com empresas de exportação, ramo que nunca se interessou pela tese. Ele acredita que a sobrevalorização cambial, que teve grande impacto sobre a indústria local, acabou atraindo os novos interessados.

Para o advogado Gustavo Goulart, representante em Porto Alegre de uma das maiores bancas empresariais da região sul, a Martinelli Advogados, as operações com precatórios para débitos em execução são uma tese consolidada judicialmente. Mas o uso na compensação é temerário e não conta com jurisprudência sólida nos tribunais superiores e nem mesmo na Justiça local. As teses, diz, trazem decisões precárias que podem ser revertidas mais tarde e abrirem um rombo fiscal nas empresas.

De acordo com Goulart, o Martinelli não opera com precatórios, e seus clientes - grandes indústrias do Estado - também não se interessam pelo assunto. Segundo o advogado, a tese atrai em geral pequenas e médias empresas em dificuldades financeiras, que usam a operação para aliviar o caixa. O custo futuro pode ser alto: o vencimento, com denúncia espontânea, traz multa de 20%, mas uma autuação aumenta o débito em 75%. "A operação pode protelar a dívida, mas cria uma situação de risco não calculável", diz.