Título: Reforma trabalhista
Autor: Netto, Antonio Delfim
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Brasil, p. A2

O ilustre professor José Pastore, da FEA/USP, é um dos mais profundos conhecedores da enorme complexidade do mercado de trabalho no Brasil e da imensa insegurança jurídica que assombra as empresas diante das incertezas criadas por uma Justiça do Trabalho que estimula o conflito. Apoiado nos dispositivos constitucionais e da Consolidação das Leis do Trabalho, ele tem mostrado a enorme carga tributária disfarçada que acabou acumulando-se sobre a base salarial.

As estimativas apresentadas são sempre sujeitas à discussão porque envolvem, inevitavelmente, algum juízo de valor sobre como entender a remuneração do tempo não-trabalhado. De qualquer forma, seus cálculos são muito cuidadosos e, queiramos ou não, a remuneração do tempo não-trabalhado é parte do custo do trabalhador para as empresas, como, aliás, é a incidência cumulativa (em cascata) de alguns itens. Em recente conferência no Conselho de Economia da Fiesp, ele apresentou o quadro ao lado de despesas de contratação de um horista em percentagem do seu salário-base.

Trata-se, como é óbvio, de um "minimum minimorum". Ele é pago pela empresa que cumpre estritamente a formalidade da lei, sem manter relações mais cordiais e civilizadas com seus empregados. O resultado é tão chocante que o esporte preferido de alguns economistas é dedicar-se à eliminação de alguns itens daqueles custos, freqüentemente acompanhada de dura condenação "moral" ao conceito de remuneração do "tempo não-trabalhado". Felizmente, temos agora um exemplo concreto para demonstrar a validade dos cálculos do professor Pastore.

A Associação Brasileira da Indústria Química mantém há muitos anos um departamento econômico da melhor qualidade e dedicado à pesquisa empírica no setor. Os seus "Anuários" (em 2006 editaram o 33º) são fonte preciosa de informação. Ao longo dos anos, com paciência, competência e integridade, ele ganhou a confiança dos associados que lhe fornecem os números. Com os dados revelados por 53 empresas de diferentes produtos químicos - perto de 40% do universo total e cerca de 100 mil pessoas alocadas na área de produção -, estimaram o custo total da mão-de-obra (CTMO) incluindo o pessoal administrativo. O resultado, reduzindo o salário-base de 2005 ao índice 100, foi o seguinte:

Em outras palavras, no setor químico o custo que se acrescentou ao salário-base em 2005 foi de 124%, contra "o mínimo legal" de 103% estimado pelo professor Pastore, o que é compreensível tratando-se de empresas de maior porte, com melhor política de pessoal e visibilidade social. Como o próprio anuário reconhece, é muito complicado (e arriscado) tentar comparações internacionais, não apenas pelas diferenças de organização dos respectivos mercados de trabalho, mas pela diferença de definições.

De qualquer forma, uma aproximação da relação entre o custo total da mão-de-obra (excluído o salário-base) e os salários pagos pelo tempo efetivamente trabalhado em alguns países é revelada no gráfico abaixo, onde vemos a imensa carga brasileira quando comparada a países de renda per capita muito maior que a nossa.

A tabela acima detalha a estatística de países selecionados. Salta aos olhos que nossa "estrutura" está mais próxima de países esclerosados, como a Bélgica e a Itália, do que de países rejuvenescidos e dinâmicos, como EUA, Irlanda e Dinamarca. Vamos "destravar" nosso mercado de trabalho e escolher melhores amizades?

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda. Escreve às terças-feiras

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda. Escreve às terças-feiras

dep.delfimnetto@camara.gov.br