Título: Governo usa MP para driblar limite de gastos da LDO
Autor: Safatle, Claudia e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Brasil, p. A4

O governo recorreu a um artifício para evitar o descumprimento do limite imposto pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ao montante de despesas correntes da União como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006. Dois projetos de lei de crédito suplementar ao orçamento foram retirados do Congresso, na semana passada, e substituídos por uma Medida Provisória, a de número 332. Com isso, a natureza dos créditos adicionais mudou e R$ 9,75 bilhões de gastos obrigatórios, a maioria relativos ao pagamento de benefícios da Previdência Social, deixaram de ser sujeitos ao limite.

As normas constitucionais permitem que, mesmo estando em plena execução, o orçamento federal tenha suas dotações reforçadas. Há três tipos de crédito adicional. O especial é usado para criar dotações novas; o suplementar apenas reforça dotações já existentes; e o extraordinário é usado para autorizar gastos demandados por situações urgentes e inesperadas. Por causa dessa característica, os créditos extraordinários são abertos por Medida Provisória, que tem vigência imediata.

A Secretaria de Orçamento Federal (SOF), ligada ao Ministério do Planejamento, entende que gastos autorizados mediante abertura de crédito extraordinário não se sujeitam ao limite criado na LDO de 2006 para despesas correntes. Por isso, ao transformar créditos suplementares em extraordinários, a troca de dois projetos de lei pela MP 332 tornou mais fácil o cumprimento do teto - cujo patamar definitivo ainda não foi divulgado pelo governo.

Por proposta do próprio Executivo, ao votar a LDO no ano passado, o Congresso introduziu, para 2006, uma regra de contenção dos gastos correntes da União. O objetivo era abrir espaço para crescimento dos investimentos, cada vez mais contidos pela forte expansão de despesas obrigatórios (pessoal, previdência) e de custeio da máquina administrativa.

A regra da LDO estabelece que, excluídas transferências obrigatória a Estados e municípios, os gastos correntes do orçamento fiscal e da seguridade social devem respeitar 17% do PIB mais a parcela da arrecadação administrada pela Secretaria da Receita Federal (SRF) que exceder a 16% do PIB, excluídas receitas atípicas.

Em setembro, com base nas projeções de receita e PIB da época, a Secretaria informou ao Congresso que a aplicação dessa regra indicava um teto de 18,22% do PIB para 2006. Desde então, as projeções de receita e de PIB se alteraram.

Usando o conceito de receita atípica da SOF e atualizando as projeções de arrecadação, o núcleo de estudos fiscais da consultoria de orçamento da Câmara dos Deputados chegou a um teto um pouco maior: 18,33% do PIB. No entendimento dos mesmos consultores, porém, o conceito de atipicidade usado pelo órgão do Ministério do Planejamento não é o ideal, porque considera como ordinárias receitas que a própria SRF qualifica como atípicas. Aplicando o conceito da SRF, destacam, o limite de despesas correntes para 2006 é de apenas 18,21% do PIB.

O volume de despesas correntes autorizado pela lei orçamentária e créditos adicionais já alcança, pelos cálculos da consultoria, 18,5% do PIB, um excedente R$ 6 bilhões em relação ao limite de 18,21% do PIB e de R$ 3,5 bilhões, se a referência for 18,33% do PIB. Em qualquer uma das duas hipótese, o governo só conseguirá cumprir a LDO graças ao artifício da MP 332.