Título: Área técnica negociará o gás, mas governos darão sinal político
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Brasil, p. A5

Os governos do Brasil e da Bolívia continuarão negociando apenas na área técnica o futuro aumento do preço do gás boliviano fornecido ao mercado brasileiro, mas as autoridades emitirão um "sinal político" para que se alcance um preço "adequado" para os dois países. Esse foi o resultado de sucessivas conversas entre o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, e o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, segundo relatou Villegas ao Valor. Para o Brasil, a área técnica é representada pela equipe da Petrobras.

"Com essa decisão sobre preço 'adequado', o Brasil mostra que não recusa imediatamente o aumento e a Bolívia, que não terá o aumento reivindicado antes", explicou Villegas. Sua primeira tentativa de discutir politicamente a questão do preço de gás, em reunião durante a manhã, no Ministério de Minas e Energia, foi rejeitada por Rondeau. Ambos tiveram, em seguida, uma longa conversa após o almoço oferecido pelo Itamaraty à delegação de ministros bolivianos em visita ao Brasil, enquanto os outros convidados tomavam café. Villegas saiu com ar otimista.

O ministro boliviano informou, também, que pretende contratar, em janeiro, uma empresa de auditoria independente para avaliar o preço das duas refinarias mantidas pela Petrobras. Embora a empresa brasileira tenha informado que não está interessada em tornar-se sócia minoritária das refinarias e que prefere entregar todas as ações ao governo boliviano, com pagamento de indenização, Villegas disse que seu ministério trabalha com a hipótese de comprar apenas 51% das ações, tornando-se sócio majoritário, associado à Petrobras. Em fevereiro, munido da auditoria sobre os preços, o assunto voltará a ser discutido, afirmou.

Também esse tema foi considerado pelo governo brasileiro mais apropriado para as negociações técnicas. O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, revelou que o governo brasileiro se inclina a aumentar o preço do gás fornecido a Cuiabá pela Repsol, hoje 1,3 milhão de metros cúbicos diários, a US$ 1,09 o milhão de unidades de medida, bem abaixo dos valores em outras localidades. O gás vendido ao restante do Brasil custa pouco mais de US$ 4 o milhão de unidade de medida e a Bolívia já pediu um aumento para cerca de US$ 5.

"Estou muito otimista", afirmou Amorim. "Não vou dizer que esses pontos da discussão são menores, mas são de solução mais simples", comentou, ao lembrar que a negociação considerada "mais difícil" sobre a nacionalização das atividades de exploração e produção de gás, chegou "a um acordo visto como positivo pelas duas partes".

Amorim voltou a avisar aos bolivianos que as perspectivas de novos investimentos do Brasil na Bolívia estão vinculadas aos resultados da negociação para o preço do gás. Voltou-se a discutir possível pólo gás químico na Bolívia, com recursos brasileiros. "Se num setor sensível como o gás, a companhia interessada (Petrobras) está cogitando novos investimentos, é possível contemplar novos setores", comentou. "Vamos falar de biocombustíveis, que eles têm muito interesse, e também etanol."

As autoridades bolivianas anunciaram também que autorizaram a empresa brasileira EBX a retirar seus equipamentos da usina siderúrgica que o empresário Eike Batista planejava fazer em território boliviano, antes de ser expulso sob alegação de danos ambientais. Batista tentou fazer com que enviados de sua empresa fossem recebidos pelas autoridades bolivianas, sem sucesso, e se queixava de um "jogo de empurra" entre os órgãos de governo, uns atribuindo à alfândega a decisão e funcionários da alfândega alegando cumprir ordens superiores para reter o equipamento da empresa.

O governo de Evo Morales enviou cinco ministros a Brasília para as negociações com o governo e diversos vice-ministros. O próprio Morales decidiu, com o governo brasileiro, fazer uma visita ao Brasil, em fevereiro. O ministro de Relações Exteriores da Bolívia, David Choquehuanca, repetiu pelo menos cinco vezes a palavra "diálogo" para caracterizar as atuais relações entre os dois países que, segundo definiu, "estão em nova fase".

Para Amorim, o entendimento com a Bolívia está a caminho porque o governo resistiu às pressões para agir de forma mais severa contra o governo boliviano.

Choquehuanca informou que Morales oficializaria ainda ontem o pedido da Bolívia para ingressar no Mercosul, em carta ao governo brasileiro (presidência temporária do bloco). O governo boliviano pediu que grupos de trabalho avaliem a possibilidade da Bolívia ser sócio pleno do Mercosul sem abrir mão do tratamento diferenciado que recebe na Comunidade Andina de Nações. Amorim disse ser possível a reivindicação, já que a CAN deixou de ser uma União Aduaneira (área de livre comércio com tarifa externa comum) após o acordo de livre comércio de Peru e Colômbia com os EUA.