Título: Aldo e Renan divergem sobre reajuste
Autor: Jayme, Thiago Vitale e Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Política, p. A6

Depois da devastadora reação da população ao aumento de 91% autoconcedido por deputados e senadores, os presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros, adotaram ontem posturas distintas. Enquanto o deputado convocou uma coletiva para reiterar a validade do reajuste, o senador deu sinais de que a decisão poderá ser mudada.

Aldo falou sobre medidas moralizadoras. Mostrou que a Câmara cortou, em sua administração, R$ 157,3 milhões. É pouco mais do que o valor a ser gasto com o reajuste concedido aos congressistas: R$ 157,2 milhões. Na entrevista, o comunista anunciou a criação de uma comissão de deputados para regulamentar o teto do servidor público nos três Poderes.

"Os deputados Miro Teixeira (PDT-RJ), José Eduardo Cardoso (PT-SP) e José Carlos Aleluia (PFL-BA) terão dois meses para fazer um projeto que regulamente de uma vez o teto do servidor público. Há muitas distorções. É um projeto moralizador", afirmou. Na mesma linha, Aldo afirmou que apresentará projeto de resolução para extinguir o pagamento de 14º e 15º salários dos deputados.

Sobre o aumento, porém, Aldo não mostrou disposição em alterar. "A fixação dos subsídios foi feita na reunião com a presença dos integrantes das Mesas da Câmara e do Senado e dos líderes. Cumpro o que foi decidido por eles". Os congressistas recebiam R$ 12,8 mil e passarão a ganhar R$ 24,5 mil. Perguntado se os líderes estariam dispostos a realizar nova reunião para tratar do aumento, Aldo foi direto: "Tenho consultado os líderes, e eles não estão dispostos a uma nova reunião". O presidente, inclusive, manifestou sua posição sobre o tema. "De minha parte, não tem mudança. Defendo a aplicação do teto e o controle e a fiscalização de como cada um gasta sua verba indenizatória", afirmou. E completou: "Há na Casa um amplo apoio à fixação do teto".

Aldo foi claro nas declarações, Renan não deu declarações diretamente. Mas sinalizou, em conversa com amigos, para um possível recuo. Renan admitiu que o aumento salarial de 91% para deputados e senadores poderá ser revisto, adiado ou, ao menos, submetido à votação do plenário, dependendo da pressão da opinião pública.

Renan estava ontem em Alagoas e chegaria à noite a Brasília. Em conversa com senadores por telefone, lembrou que a decisão tomada na semana passada não é definitiva. O ato das Mesas da Câmara e do Senado equiparando os salários de parlamentar ao de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda nem foi elaborado.

Para o presidente do Senado, a intensidade da reação popular será determinante nesse caso. Se os senadores concluírem que a opinião pública não aceita o aumento, eles poderão rediscutir o assunto. Pessoalmente, Renan afirmou aos interlocutores que a votação do reajuste em plenário é "o caminho natural".

Mas ele chamou a atenção para a necessidade de uma decisão dessa natureza ser tomada por um plenário cheio - o que é considerado improvável antes do recesso parlamentar. Por isso, a manifestação de Renan foi interpretada como sinal de que a decisão poderá ser adiada para o início da nova legislatura.

De qualquer forma, Renan voltou a justificar a decisão tomada pelos membros das Mesas Diretoras e pelos líderes como uma tentativa de dar uma solução definitiva a um problema que causa desgastes ao Congresso a cada quatro anos: "É preciso uma regra clara e definitiva".

As posições contraditórias dos presidentes da Câmara e do Senado refletem, também, uma divisão entre os parlamentares. Enquanto uma parte silencia, outra parcela combate o aumento. Duas ações na Justiça foram protocoladas no Supremo Tribunal Federal contra o aumento.

Outra iniciativa partiu dos deputados petistas Walter Pinheiro (BA), Dr. Rosinha (PR), Maurício Rands (PE) e Tarcísio Zimmermann (RS). Os parlamentares protocolaram ontem na Mesa da Câmara um projeto de decreto legislativo contra o aumento. O texto adotaria um critério fixo para reajustes de parlamentares.

A equiparação de salários com os ministros do Supremo, na opinião de Walter Pinheiro, não é correta. "Salário de agente político não pode ser comparado a salário de agente público. Juiz tem carreira, deputado tem mandato", afirmou. O projeto de Pinheiro precisa ser colocado em votação pelo presidente da Câmara. Na entrevista de ontem, Aldo disse que colocaria o texto em votação "se tiver apoio dos líderes". As chances são remotas.

Ainda na Câmara, o líder do PT, Henrique Fontana (RS), tenta organizar uma nova reunião das Mesa. "Esse aumento não é adequado. E nós, parlamentares, temos de rever nossas posições quando as manifestações da população são fortes, como têm sido", defendeu.