Título: Congresso em baixa significa Lula em alta
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Política, p. A8

Nem Papai Noel atenderia uma carta que Lula não escreveu: o Congresso e a classe política desmoralizados, o Executivo fortalecido e uma pesquisa em que é apontado como o melhor presidente da República de todos os tempos. Circunstâncias que levam o presidente a sentir-se auto-suficiente, livre de pressões. O senhor do tempo e da razão - mas que não farão desaparecer, como num passe de mágica, os problemas que o aguardam na ante-sala de seu gabinete.

São nós que não desatam, alguns deles remanescentes do mandato que se encerra.

Há quase um mês - depois de quatro anos de governo - Lula e os ministros trabalham num ambicioso programa de 50 metas para o segundo mandato (não poderia ser diferente para um presidente mais bem avaliado que JK, cujo plano de metas tinha 31 programas). O anúncio está agora prometido para a próxima quinta-feira. Mas nem isso é garantido pelos auxiliares encarregados de fazer e depois refazer o que o chefe não gostou sem dizer exatamente no quê e no por quê?

As eleições para as presidências do Senado e da Câmara são os dados politicamente mais importantes para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste momento. Mas os partidos também não sabem o que o presidente pensa sobre a coalizão de governo. Esperam que Lula aponte o "norte". Enquanto não houver o rumo, a articulação não anda ou anda aos trancos e barrancos, nas marolas de uma ou outra votação.

Agora mesmo, o que vem emperrando a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do Orçamento Geral da União (OGU) é a liberação das emendas parlamentares.

Para os partidos, em primeiro lugar Lula deve decidir a questão da partilha dos ministérios. Como fica a fatia de poder de cada um. Conscientemente ou não, o presidente no entanto usa a divisão partidária para retardar a definição dos nomes dos ministros até a eleição para as presidências das duas Casas do Congresso, para as quais insinua ter preferências mas não dá o "norte".

-------------------------------------------------------------------------------- O PMDB espera que o governo mostre jogo --------------------------------------------------------------------------------

O PMDB, o maior partido da suposta coalizão que vai dar sustentação política ao novo mandato, não pretende fazer nenhum movimento enquanto Lula não mostrar o seu jogo. Ao contrário do que sugerem o Palácio do Planalto e o partido, o PMDB de fato mudou, mas não no sentido de que está mais unido que antes. A única coisa que mudou é que as feridas não estão expostas. "Mas que as feridas continuam existindo, continuam. Essa é a única diferença", diz um cacique pemedebista. E devem reaparecer após as eleições - ainda como feridas ou cicatrizes de curativos malfeitos.

Com o jogo paralisado, se os partidos não se entendem, ministério novo mesmo só no próximo ano. Isso porque agora o Congresso entra efetivamente no recesso político das festas de final de ano, com posse no dia primeiro. Até lá, o que fazer? Nada, segundo um dirigente partidário: o presidente está muito bem perante a opinião pública, como demonstram as pesquisas, e o Congresso e a classe política muito mal.

Lula agradece ao reajuste de 91% que os políticos concederam aos próprios salários, que passaram de módicos R$ 12 mil para R$ 24,5 mil. É um um desgaste para o Congresso e a classe política num ano já turbulento como foi 2006. Prova disso seria a suposta justificativa dada por uma mulher após esfaquear o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, ontem, na Bahia: o escandaloso reajuste de 91% que os congressistas aplicaram ao próprio salário.

Enquanto a pancadaria estiver no lombo do Congresso, o Executivo, Lula para ser mais exato, fica preservado. O desgaste do Legislativo é uma beleza para o presidente, que não dá mostras do governo que quer.

Isso sem ninguém no mundo político, no Congresso ou no Executivo, com autoridade para cobrar alguma coisa. Fica tudo por isso mesmo, ao sabor das circunstâncias, porque, a essa altura dos acontecimentos todos estão, de uma certa forma, enfraquecidos. A própria oposição, que compactuou com o escandaloso reajuste. Reajuste que não ficará restrito a deputados e senadores, mas se desdobrará em cascata nos vencimentos também de deputados estaduais e vereadores - algo em torno de R$ 10 milhões só no que se refere aos 1.059 deputados estaduais, se for exercida no limite estabelecido pelo Congresso.

Na diplomação para o primeiro mandato, em 14 de dezembro de 2002, Lula já havia escolhido ou anunciado a maior parte do novo governo, inclusive o nome daqueles ministros que mais tarde iriam compor o "núcleo duro" da administração. Hoje, não se tem idéia nem de quem poderá "carregar o piano", como fizeram José Dirceu, na área política, e Antonio Palocci, na economia, no período de transição de 2002. À esta altura, o futuro presidente do Banco Central já era sabatinado no Congresso e estavam definidos os principais parceiros da aliança de governo. Faltava, como hoje, arrumar o PMDB, um nó que Lula tem enorme dificuldade para desatar.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

E-mail raymundo.costa@valor.com.br