Título: Sustentar o crescimento para consolidar os avanços sociais
Autor: Prado, Antonio
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Opinião, p. A12

Temos no país uma triste tradição de tornar qualquer debate econômico em um ardil de polarizações. É curioso que uma sociedade tão plástica em seus valores, tolerante com a diversidade, sincrética na religiosidade, adote sempre o embate como método quando o assunto são as idéias econômicas. Poderia ser um reflexo dos interesses envolvidos nas decisões de política econômica, mas às vezes parece mais com a teimosia luso-ibérica jogando seu véu sobre as vaidades em conflagração.

É certo que a política econômica arbitra ganhadores e perdedores. Mas, ao envolver uma projeção de futuro, exige um modelo de pensamento para que os participantes do jogo econômico avaliem se há perdas ou não para seus interesses. E o diabo é que não há uma abordagem única, apesar das três décadas de um aborrecido martelar do pensamento convencional dominante e sintetizado depois no Consenso de Washington. Não há quem possa garantir os efeitos positivos de longo prazo de qualquer política econômica no mundo contemporâneo, apenas os negativos. É a falência de uma qualidade intrínseca das boas teorias, sua capacidade de explicar a realidade e permitir alguma previsibilidade no curso dos eventos.

Os balanços das políticas neoliberais geralmente revelam que elas são eficazes para estabilizar a inflação, mas incapazes de garantir o crescimento sustentado. Sem dúvida, o monetarismo à la Paul Volcker, que inicialmente produziu estagflação, acabou por trazer a inflação americana de volta a um único dígito, mas devastou o crescimento mundial e lançou a América Latina na mais longa estagnação de sua história. O supply side economics de Reagan foi um fracasso, reduziu os impostos dos ricos, cortou os gastos do governo com os pobres e ao invés de obter o choque de investimentos, gerou um gigantesco processo de desordem financeira, com especulação desenfreada. Os abastados não conseguiram ver razão para investir seus lucros adicionais em ativos produtivos e buscaram o cassino financeiro.

O crescimento econômico americano nos anos 90 tampouco pode ser atribuído aos ajustes convencionais. A política de corte de gastos do governo Clinton aparentemente resgatou a confiança dos investidores, que voltaram às compras de bens e serviços. Mas, uma análise mais cuidadosa de Stiglitz, sobre os exuberantes anos 90, revela que a recuperação daquela economia tem pouco a ver com o fenômeno da confiança da alta finança e mais com a capitalização das caixas de poupança que estavam quebradas desde os anos 80. O corte de gastos e o rápido resgate da dívida pública valorizaram e deram liquidez aos títulos em carteira nessas instituições, que voltaram a ter capacidade para ampliar seus empréstimos ao público. Foi o aumento do crédito imobiliário que conduziu a recuperação, não pelos motivos esperados pelo pensamento convencional, mas pelo papel do crédito como instrumento de alavancagem do poder de compra na economia. Escaparam de uma séria recessão, por um triz. Por sorte, de onde decorre que o experimento não pode ser replicado.

E a inflação, caiu por que nos anos 90? O insuspeito professor Kenneth Rogoff, teórico do mainstream, depois de analisar a desinflação no mundo, pós 1994, concluiu que a inflação não caiu por causa das políticas monetárias, que foram de todos os tipos e intensidades, mas em razão do aumento das taxas de produtividade geradas pelas inovações tecnológicas e pela globalização, leia-se, deflação importada da Ásia. Principalmente, China. Mas se o paradigma dominante não fornece as explicações, não pode fornecer as políticas e tampouco o modelo de projeção do futuro. Um beco sem saída aterrorizante.

Há os que são capazes de atribuir um poder místico às reformas institucionais. Querem ao mesmo tempo mercado livre e modelos regulatórios para estimular o setor privado a ocupar os espaços econômicos abertos pelo desmantelamento dos Estados keynesianos de pós-guerra. No caso brasileiro, desde o início dos anos 90, já foram feitas centenas de grandes reformas e micro-reformas e continuamos com crescimento rastejante. Várias reformas tributárias, previdenciárias, reformas do Judiciário, da lei de falências, criação da lei de responsabilidade fiscal, reformas administrativas, abertura cambial, comercial, privatizações, modelos regulatórios, entre tantas outras.

-------------------------------------------------------------------------------- O PIB per capita brasileiro está quase estagnado há 30 anos e só não está totalmente pela queda do crescimento demográfico --------------------------------------------------------------------------------

Temos que aceitar o inevitável. O PIB per capita do país tem estado quase estagnado há cerca de trinta anos e só não está totalmente estagnado porque o crescimento demográfico caiu. Todas as políticas se revelaram incapazes de retirar a economia brasileira do atolamento produtivo. A política econômica, desde 2003, mostrou ser mais sólida na redução da inflação e na geração de empregos, não porque o PIB descolou das taxas de crescimento em relação às décadas anteriores, mas porque a composição do crescimento mudou a elasticidade emprego do PIB para melhor. É certo que algo não está funcionando e não será com a contraposição extrema entre as teses neoliberais e as teses keynesianas que sairemos desse imbróglio.

O regime de política monetária atual é equivocado? Não parece ser o caso. A política de metas de inflação tem atributos bastante desejáveis para o cenário brasileiro. É flexível, ao contrário do que expressam seus maiores críticos. Isso porque permite absorver choques adversos dentro de seus limites de tolerância; e pode ser ajustada em relação ao ritmo da desinflação. É mais transparente do que qualquer outra política que já tivemos, pois o BC explicita sua regra de decisão, divulga suas atas e relatórios e se submete ao poder legítimo, através da fixação das metas a serem perseguidas no Conselho Monetário Nacional (CMN). O modelo de autonomia operacional do BC tem ampliado a credibilidade da autoridade monetária e não demanda nenhum aperfeiçoamento na direção da sua independência.

Mas há um problema e esse é de gestão. O BC tem adotado, desde o início desse regime de política monetária, em junho de 1999, uma conduta muito conservadora. Segue a máxima do ´se pode mais, faça menos´. Cautela extrema. Esse tipo de comportamento tem implicado em desperdício de oportunidades de crescimento. Não é uma linha adequada, pois significa impedir a criação do estado de confiança necessário para os investimentos produtivos e a redução mais rápida das taxas de desemprego. A taxa de juros real começa a ficar abaixo de 10%, num primeiro sinal de que a autoridade monetária resolveu testar esse piso. É bom que o faça agora, pois as condições nunca estiveram tão propícias para isso.

As recentes melhoras na redução da pobreza, na queda da desigualdade e na geração de mais empregos são bons sinais e fundamentais para as populações submetidas a décadas de sofrimento extremo. Mas tornar esses avanços irreversíveis demanda um crescimento econômico a taxas maiores das atuais e por um longo período de tempo. Esse é o desafio a ser superado.

Antonio Prado é economista, professor do Departamento de Economia da PUC-SP (licenciado), foi Coordenador da Produção Técnica do Dieese nos anos 90 e é responsável pelo escritório do BNDES em Brasília. As opiniões aqui registradas são única e exclusivamente de responsabilidade do autor, não refletindo posicionamentos de nenhuma instituição.