Título: Acordo pode acabar com guerra de subsídios
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Especial, p. A14

Na última década, a brasileira Embraer e a canadense Bombardier protagonizaram uma concorrência brutal no mercado de aeronaves regionais, com o conflito extrapolando para os governos. Após longas disputas na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil e o Canadá obtiveram o direito de impor retaliações recíprocas de bilhões de dólares, devido à concessão de enormes subsídios governamentais. As sanções nunca foram aplicadas, o que evitou uma guerra comercial mais ampla. Mas demoradas negociações bilaterais sempre fracassaram na tentativa de um acordo entre esses produtores aeronáuticos.

Agora, pela primeira vez, tanto o Brasil e o Canadá como também os Estados Unidos e a União Européia (UE) estão mais perto de oferecer condições de competitividade igual no mercado internacional de aeronaves, através de um entendimento no âmbito da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Após quase dois anos de encontros em Paris e de consultas bilaterais, a presidente da negociação, a holandesa Nicole Bollen, propôs um compromisso sobre os elementos centrais de acordo envolvendo financiamento à exportação para evitar guerra de subsídios públicos no setor aeronáutico.

"Se a proposta de acordo prosperar, ela reduzirá os custos do Tesouro Nacional e trará previsibilidade sobre os financiamentos de aeronaves", diz o futuro subsecretário de assuntos econômicos e tecnológicos do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, que comanda a delegação brasileira na negociação.

Embraer e a Bombardier vêem a negociação positivamente. "Estamos muito esperançosos, porque é a grande oportunidade para levar o comprador a se focar no avião e não na condição de financiamento", afirma o vice-presidente de relações internacionais da Embraer, Henrique Rzezinski. "Apoiamos fortemente um entendimento que nivele as condições de financiamento", acrescenta o porta-voz da Bombardier, Marc Duchesne.

Até recentemente, as regras globais de financiamentos para exportações de aeronaves eram decididas por um restrito grupo de dez países na OCDE. Em 2004, o grupo procurou atrair o Brasil, um dos quatro maiores produtores de aviões civis, até para legitimar a revisão do chamado "Arranjo Sobre Créditos à Exportação". Esse acordo existe há mais de 20 anos para as exportações de três setores, que por sua vez têm "entendimentos" específicos: aeronaves civis, navios e usinas nucleares.

O governo brasileiro sempre combateu as regras negociadas na OCDE sobre subsídios (na forma de financiamento, taxa de juro, doação, seguro e garantia de crédito a exportação) por considerá-las um cheque em branco para os industrializados. É que elas são automaticamente aplicadas a qualquer país, queiram ou não, pois servem como referência para o Acordo de Subsídios da OMC.

A atual negociação é específica para o setor de aeronaves, e cinco parceiros conduzem as discussões: Estados Unidos, União Européia, Canadá e Japão, além do Brasil, único não-membro permanente da OCDE. Outros 12 observam.

A presidente da negociação submeteu uma proposta sobre pontos centrais. Inclui ampliar o prazo de financiamento oficial para jatos regionais de 10 para 15 anos, o que é já praticado por Embraer e Bombardier. Fica mantido o prazo máximo de 12 anos para aviões grandes. O comprador tem que desembolsar 15%, com o financiamento oficial máximo ficando em 85%. Só que agora será introduzido um mecanismo de avaliação de risco de cada transação, com duas tabelas, para aviões grandes e regionais.

É que os EUA e a UE cobravam prêmio de risco muito baixo nas garantias de crédito à exportação, fornecidos por bancos privados. A taxa era fixa, independentemente do risco da transação na venda dos aparelhos da Boeing e da Airbus. Já o Brasil e o Canadá não dão garantia, mas fazem o financiamento direto da aeronave com taxas de juros mais elevadas.

Por insistência do Brasil, esse sistema vai mudar. Uma curva de "sensibilidade de risco" estabelecerá prêmios diferentes para riscos diferentes. Os governos americano e europeu ainda cobrarão prêmios baixos, mas superiores aos até agora praticados por eles. Por sua vez, as taxas de juros cobradas pelo Brasil e Canadá serão igualmente mais altas. Como a maior parte das transações para exportar aviões regionais tem risco mais elevado, os juros serão bem acima da CIRR (juros comerciais de referência), da OCDE.

O Brasil e o Canadá deverão harmonizar a taxa de juro de seus jatos. Em todo caso, não podem cobrar menos do que for estabelecido. Essa era uma reivindicação do Brasil. O Canadá insistia que a taxa fosse apenas uma referência. "Com taxa mais alta, haverá menor custo para o Tesouro e mais recurso para alimentar o fundo de garantia às exportações", diz Azevedo. O Brasil espera o fim dos financiamento dados pela província de Quebec para a Bombardier, que ajudava no financiamento dos 15% que o comprador tem de desembolsar no ato da compra.

Para Rzezinski, da Embraer, serão eliminadas as zonas cinzentas nos financiamentos. Ele nota que haverá harmonização nas condições de financiamento do Brasil e do Canadá também com as dos EUA e UE, com a engenharia financeira levando em conta sistemas diferentes de apoio a seus produtores.

A OCDE pediu que os países reagissem até o fim deste mês à proposta. O Brasil vai se manifestar, porém, só em janeiro, quando os ministros voltarão a se reunir. A expectativa é que o acordo seja concluído ao longo de 2007. Parte do que for acertado para o setor de aeronaves poderá servir de base para a revisão do Arranjo de Subsídios da OCDE como um todo. Também poderá ter impacto na negociação de subsídios na OMC.