Título: O impacto da utilização de cartões de incentivo
Autor: Almendro, Haroldo Del Rei
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Atualmente muitas empresas vêm utilizando cartões de crédito ou débito bancário, geralmente administrados por empresas de marketing de incentivo, para efetuarem o pagamento indireto de parte da remuneração de seus empregados sem, contudo, efetuar os respectivos recolhimentos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), contribuição ao Instituto Nacional do seguro Social (INSS) e Imposto de Renda (IR) incidentes sobre os valores.

Há de se ressaltar que grande parte das empresas que adotam este expediente, para adimplemento de parte da remuneração de seus empregados, deixa de integrar os valores habitualmente pagos por meio dos cartões de incentivo aos cálculos de férias e décimo-terceiro salário dos trabalhadores agraciados com o referido benefício, por entender que não se trata de salário, mas de mera campanha de incentivo que não seria paga por ele, empregador, mas sim por uma empresa de marketing de incentivo.

Porém, para que se saiba se é devido ou não o recolhimento das quotas previdenciária e fiscal, bem como do FGTS, sobre os valores pagos mediante a utilização dos cartões de incentivo, primeiramente é necessário entender a que título a empresa de marketing de incentivo efetua os aportes nos cartões de débito ou crédito bancário dos empregados indicados por sua cliente, ou seja, se a natureza dos valores creditados em favor do empregado é salarial ou não.

Segundo o parágrafo primeiro do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), integram o salário não só a importância fixa estipulada como também as comissões, gorjetas, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. Além disso, o artigo 458 da CLT dispõe que quaisquer outras parcelas habitualmente fornecidas pelo empregador, ainda que em utilidades, constituem salário in natura, integram-se ao salário do empregado para fins de cálculos de verbas contratuais e rescisórias.

Por outro lado, não são considerados salário vestuário, equipamentos e outros acessórios forem fornecidos pelo empregador para a prestação de serviços, gastos com educação, transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, assistência médica, hospitalar e odontológica, seguro de vida e acidentes pessoais e previdência privada e demais benefícios utilizados para o trabalho, conforme a exceção prevista no parágrafo segundo do artigo 458 da CLT.

-------------------------------------------------------------------------------- A empregadora pode ser autuada por não recolher FGTS, INSS e IR sobre valores pagos por meio de campanha de incentivo --------------------------------------------------------------------------------

Diante dos parâmetros acima expostos, quando o cartão de incentivo for utilizado para que a empregadora efetue indiretamente o pagamento de comissões, bônus, gratificações previamente ajustadas e prêmios habituais aos seus empregados, por meio de empresas de marketing de incentivo, restará notória a natureza salarial dos valores creditados ao trabalhador a título de incentivo, sendo devidos os recolhimentos previdenciários, fiscais e de FGTS sobre esses valores, assim como restará devida também sua integração ao salário do empregado para fins de cálculo de férias e décimo-terceiro salário, por exemplo.

Note-se que não é a forma de pagamento - com o cartão de incentivo, no caso em questão - que distingue a necessidade ou não de que se procedam os recolhimentos previdenciários, fiscais e de FGTS ou que define se as importâncias pagas integram ou não o salário do empregado, mas sim a que título a empregadora efetua esses créditos em favor de seus empregados. Pouco importa, na seara trabalhista, fiscal ou previdenciária, se esses valores serão pagos direta ou indiretamente pela empregadora, mas sim a que título essas importâncias foram recebidas pelos empregados.

Portanto, se o empregador utilizar os aportes em cartões de incentivo para efetuar o pagamento de comissões, prêmios, gorjetas ou gratificações, ainda que por meio de terceiros (empresas de marketing de incentivo), é certo que tais valores poderão ser considerados como salário por eventual fiscalização previdenciária, fiscal ou trabalhista, razão pela qual a empregadora poderá ser autuada pela ausência de recolhimento dos valores devidos a título de FGTS, INSS e Imposto de Renda decorrentes dos valores pagos por meio de campanha de incentivo.

Além disso, se os referidos aportes forem realizados habitualmente, eles deverão integrar o salário do empregado beneficiário para fins de cálculos de verbas contratuais, dentre elas férias e décimo-terceiro salário, bem como integrarão a base de cálculo para pagamento das verbas rescisórias, tais como aviso prévio.

Diante do exposto, recomenda-se extrema cautela na adoção de campanhas de incentivo aos empregados, mormente para que não sejam utilizadas visando mascarar o pagamento de verbas de natureza eminentemente salarial, tais como bônus, comissões e prêmios por cumprimento de metas, mediante a utilização de empresa interposta na tentativa errônea de ocultar não só a real fonte pagadora dos aportes em cartão de incentivo, como também a natureza salarial da verba paga ao empregado.

Haroldo Del Rei Almendro é advogado do escritório Neumann, Salusse, Marangoni Advogados

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