Título: Maus sinais para o segundo mandato
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2006, Brasil, p. A2

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já anunciou sua prioridade para o Mercosul, e para a correção dos erros passados em relação ao bloco, no segundo mandato. A reunião dos ministros do Mercosul, na sexta-feira, mostrou também que é urgente dar solução à insatisfação dos sócios menores com os pequenos resultados econômicos que obtiveram - e, agora, também à crise com bloqueio argentino à tentativa uruguaia de turbinar seu setor industrial instalando duas fábricas de celulose à margem do rio Uruguai. Alguns sinais emitidos pelo governo brasileiro, na semana passada, vão, porém, em direção contrária à prioridade anunciada por Lula.

A pretexto de formular seu programa econômico para o segundo mandato, o presidente Lula, na terça-feira, convocou ministros para uma longa discussão sobre os planos do governo para o setor de infra-estrutura. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não participou. Nem foi convidado. Ausência estranha, já que parte importante do projeto de integração do governo brasileiro está ligado à chamada IIRSA - Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana.

Embora o Brasil tenha seus problemas internos com a própria infra-estrutura de estradas, energia e comunicações, muitas das soluções em estudo envolvem os vizinhos, seja como provedores de energia, seja como possíveis parceiros na construção de vias de escoamento da produção exportável e de interligação de mercados. É um mau sinal a ausência, na discussão sobre a futura política de infra-estrutura, de um dos raros ministros cuja continuidade é tida como certa no próximo governo, e justamente o principal encarregado da articulação com os governos vizinhos.

A exclusão da diplomacia na discussão sobre infra-estrutura ocorre em um momento especialmente delicado, quando o mais novo sócio do bloco, o venezuelano Hugo Chávez, condena, como "neocolonialista", o projeto de integração da infra-estrutura sul-americana, lançado ainda no governo Fernando Henrique Cardoso e usado também pelo governo Lula como base para as prioridades de ligação do Brasil com os vizinhos e com os portos do continente.

Organizações Não-Governamentais, como o Inesc, também centram fogo contra o projeto que, com endosso de Chávez, criticam por prestar pouca atenção à proteção ambiental e classificam como uma forma de explorar as riquezas do continente segundo um projeto "neoliberal". Qualquer projeto de integração, como o defendido por Lula, tem de ter atenção às suscetibilidades na vizinhança, sob pena de manter a esquizofrenia do discurso que caracterizou a política externa no primeiro mandato, quando o Itamaraty se viu praticamente sozinho defendendo medidas que eram sepultadas na burocracia dos ministérios da área econômica.

-------------------------------------------------------------------------------- Inclusão da Bolívia não traz ganhos ao Mercosul --------------------------------------------------------------------------------

O anúncio, na reunião de ministros, do acordo entre Brasil e Argentina para permitir comércio bilateral em reais ou pesos, sem necessidade da intermediação de alguma moeda forte, como o dólar, pode indicar que a equipe econômica começa a aderir de fato à retórica e à prática da integração regional. Mas foi uma nota isolada, e limitada aos dois sócios maiores, em meio à cacofonia do Mercosul.

Segundo um padrão de "desempenho midiático" já conhecido nas reuniões do Mercosul, e diagnosticado por especialistas como o argentino Felix Peña, a reunião de ministros do bloco, em Brasília, na sexta-feira, terminou sem apontar solução para nenhum dos problemas discutidos, mas com um anúncio capaz de distrair a atenção dos meios de comunicação. Não houve palavra oficial sobre a crise das fábricas de celulose entre Uruguai e Argentina, mas anunciou-se que a Bolívia pediu e recebeu autorização oficial para negociar sua incorporação integral ao Mercosul.

Há pouca alteração do status quo e nenhum ganho palpável em curto prazo com a inclusão da Bolívia, que já é membro associado ao Mercosul e tem acordos livre comércio envolvendo quase todos os produtos, com os países do bloco. Apenas soma-se mais um país - hoje governado por um presidente fortemente avesso ao livre comércio e às regras de mercado - à necessidade de consenso para que o Mercosul possa negociar acordos comerciais.

O Equador, agora também governado pela esquerda, promete seguir os passos bolivianos, mas não se sabe de nenhuma discussão séria no Mercosul sobre a incorporação desses países, em delicada situação econômica e política, à dinâmica também tumultuada do bloco. O acordo de entrada da Venezuela, no Mercosul, como reconhecem entidades empresariais brasileiras como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), teve a vantagem de melhorar as condições e antecipar prazos do acordo de livre comércio firmado por aquele país e o Mercosul. Mas criou um problemão para as futuras negociações comerciais do bloco.

Segundo o Informe Mercosul - recém-concluído pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) -, a adesão da Venezuela criou vantagens importantes para os industrializados brasileiros naquele mercado, mas pode ser de difícil concretização: enquanto o Mercosul até hoje lutou para reduzir as tarifas de importação sobre produtos agrícolas em seus acordos comerciais, esses produtos estão entre os que gozam de maior proteção no mercado venezuelano, o que pode complicar as posições futuras do Mercosul. A discussão do acordo com a União Européia, também protecionista em agricultura, será um "teste importante para a capacidade de coordenação do bloco", prevê o informe do BID.

O anúncio de abertura de negociações com a Bolívia, ocorre sem que haja ainda clareza sobre o que fazer com a Venezuela, ou com as demandas de maior independência do Uruguai e do Paraguai (que pediram liberdade para negociações bilaterais de comércio, logo negada por Amorim, com razão). Certamente será aproveitado pela CNI e outras entidades empresariais para endossar o argumento do setor privado, para quem falta foco e resultados concretos nas iniciativas da política comercial do Mercosul.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras