Título: Efeito do corte de juros no PIB divide opiniões
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2006, Brasil, p. A3

A taxa Selic caiu de 19,75% para 13,25% ao ano desde setembro de 2005, um recuo considerável do juro básico, que atingiu o nível mais baixo desde 1975. A atividade econômica, porém, não respondeu com a força esperada ao corte de 6,5 pontos percentuais da Selic, como evidencia o crescimento esperado abaixo de 3% em 2006.

Para analistas como Ricardo Carneiro, da Unicamp, e Rogério Mori, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a expansão pífia da economia é um sinal de que o Banco Central (BC) errou a mão, reduzindo os juros mais lentamente do que seria possível. Já economistas como Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos, e Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, vêem o resultado como um sinal de que o juro não é o principal culpado pelo baixo crescimento do país, além de indicar que a política monetária é menos eficaz por aqui do que em outros países.

Desde setembro de 2005, a taxa Selic caiu 6,5 pontos percentuais, mas os juros reais (descontada a inflação) recuaram menos. Na comparação da taxa privada de um ano (o swap de 360 dias) com a inflação projetada para os próximos 12 meses, a queda foi de 5,06 pontos, de 13,07% para 8,01%, o menor nível do Real, mas ainda assim uma taxa elevada.

Para Mori, da Escola de Economia de São Paulo da FGV, essa medida de juro real teve uma queda moderada por causa da sinalização cautelosa dada pelo BC, não só por meio de suas decisões como também pelo teor das atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Por mostrar uma visão conservadora das perspectivas para a trajetória dos juros, os atos e documentos do BC não levaram a quedas mais fortes dos juros privados - que têm mais impacto sobre a atividade que a Selic.

Para o professor da FGV, o fraco crescimento do PIB e a inflação bem abaixo do centro da meta são sinais claros de que o BC foi prudente demais na redução dos juros. A expectativa no começo do ano era de um crescimento na casa de 3,5% a 4%, mas o PIB vai terminar 2006 com expansão inferior a 3%. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar na casa de 3%, muito abaixo do centro da meta, de 4,5%. "O BC superestimou o ritmo da atividade econômica e subestimou o comportamento benigno da inflação", diz Mori.

Carneiro, da Unicamp, considera que a expansão fraca da atividade neste ano tem origem no ciclo de aperto monetário que durou de setembro de 2004 a maio de 2005. Para ele, ao elevar a Selic em 2004, o BC interrompeu um ciclo de alta firme do investimento e induziu à valorização do câmbio. A formação bruta de capital fixo (FBCF), que mede inversões na construção civil e em máquinas e equipamentos, voltou a crescer neste ano, mas a postura do BC em 2004 inibe uma retomada mais significativa dos investimentos, avalia Carneiro. Além disso, o juro alto derrubou o dólar, acredita ele.

Com o câmbio valorizado, as importações passaram a avançar a taxas bem maiores que as exportações, o que se traduz numa demanda externa que contribui negativamente para o crescimento neste ano. "O que o BC fez em 2004 é algo que deve ser registrado em livro como um exemplo do que não se deve fazer em política monetária", afirma ele, para quem não havia inflação de demanda que justificasse a necessidade de um aumento dos juros, num ambiente de contas externas saudáveis.

Não se pode dizer, porém, que a política monetária não tenha estimulado a economia neste ano. Loyola, ex-presidente do BC, lembra que os dois principais componentes da demanda têm registrado um desempenho razoável. De janeiro a setembro, o consumo das famílias cresceu 3,7% em relação a igual período de 2005. No mesmo intervalo, o investimento avançou 6%. O PIB total cresce a um ritmo mais fraco porque parte da demanda tem sido abastecida pelo aumento das importações, diz ele, favorecidas pelo dólar barato.

Loyola lembra ainda que há uma defasagem entre decisões de política monetária e seus efeitos sobre a atividade econômica - os analistas acreditam que o intervalo é de seis a nove meses. Algumas das reduções da Selic promovidas nos últimos meses ainda vão impactar a economia, diz.

Para Figueiredo, ex-diretor do BC, um dos problemas é que a política monetária no Brasil é menos eficiente do que muitos supõem. Grandes empresas costumam investir com recursos próprios ou por meio de empréstimos obtidos no exterior ou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Nos últimos 10 anos, quem investiu por meio de empréstimo bancário quebrou."

O baixo volume de operações de crédito no país também diminui a potência da política monetária, ainda que ele tenha crescido nos últimos anos, passando de menos de um quarto do PIB em 2002 para os atuais 33,1%. Isso reduz o alcance das decisões do BC, também prejudicadas pelo fato de que parcelas significativas dos empréstimos não são afetadas por movimentos nos juros básicos. É o caso dos financiamentos do BNDES, corrigidos pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que não guarda uma relação direta com o movimento do juro básico (embora neste ciclo de afrouxamento monetário as duas taxas tenham andado na mesma direção).

"Quando se entra no BC, uma das primeiras conclusões a que se chega é que a política monetária no Brasil é pouco eficaz", diz Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária da instituição. Mesmo com essa análise, Figueiredo também nota que a demanda reagiu em alguma medida ao estímulo monetário, como demonstra a expansão do consumo das famílias e do investimento.

Para Figueiredo e Loyola, o desempenho da economia neste ano evidencia que o juro não é o grande culpado pelo baixo crescimento do país. Figueiredo lembra que a carga tributária elevadíssima, na casa de 38% do PIB, é um entrave muito sério à atividade econômica, por reduzir a competitividade das empresas do país. O grande problema, segundo ele, é o aumento desenfreado dos gastos correntes, que exige uma elevação dos impostos para financiá-los e uma redução dos investimentos públicos em infra-estrutura. E despesas públicas em alta impedem uma redução mais forte dos juros, porque estimulam a demanda, afirma Figueiredo.

Loyola lembra ainda que o ambiente de negócios no país é bastante desfavorável ao investimento. A demora para abrir e fechar uma empresa é um exemplo disso, assim como as incertezas regulatórias em áreas importantes como a energia elétrica. "Está ficando claro que a aceleração do crescimento no Brasil passa por reformas que incentivem o investimento e a produtividade", diz Loyola, absolvendo a política monetária da responsabilidade pela baixa expansão estrutural da economia brasileira nos últimos anos. "A maior contribuição que ela pode dar ao crescimento de longo prazo é aumentar a previsibilidade na economia."