Título: O final melancólico da CPI das Sanguessugas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2006, Opinião, p. A12

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Sanguessugas começou bem. Contra tudo e contra todos, foi instalada e em 52 dias aprovou relatório parcial com pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra 69 deputados e 3 senadores, em um alcance sem precedentes.

O relatório foi aprovado por unanimidade, contrariando as forças políticas dominantes no Congresso. E nomes até então intocáveis, como o do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), líder do PMDB, amigo do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do ex-presidente da República, senador José Sarney, foram arrastados para as investigações e banidos da próxima legislatura. Suassuna tentou se reeleger para o Senado, mas não conseguiu. Já os principais atores da comissão, os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ), Raul Jungmann (PPS-PE) e Carlos Sampaio (PSDB-SP) ficaram entre os mais votados em seus Estados.

Nessa primeira fase, que precedeu o período mais intenso da campanha eleitoral, pelo desenrolar das investigações, tudo parecia desembocar num desfecho singular: uma punição exemplar nas duas pontas do processo - corruptos e corruptores.

Não foi o que aconteceu. A segunda etapa da CPMI, destinada a investigar o Poder Executivo e suas relações com a máfia das sanguessugas no manejo das emendas para compra de ambulâncias, foi um fiasco. Em meio à campanha eleitoral, Congresso vazio e o estouro do escândalo de tentativa de compra de um suposto dossiê contra tucanos, a comissão ficou paralisada no embate entre governistas e oposição, numa polaridade partidária e pouco atuante nos trabalhos de investigação. A oposição viu no episódio do dossiê a oportunidade de alavancar a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência e a muralha governista se ergueu para proteger o então candidato à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva.

Após o segundo turno, a CPMI retornou aos trabalhos com prazo de apenas um mês e vinte dias de funcionamento. A inclusão do caso do dossiê em seu arco de investigações e a reação do governo, para retardar os trabalhos e abafar o caso, a fez perder o prumo, caindo na vala comum do desempenho medíocre das comissões que misturam os interesses corporativos do Parlamento à mão pesada do Executivo para terminar em nada, ou quase nada.

No dia 14, quinta-feira, ao concluir seus trabalhos e divulgar o relatório de 982 páginas, viu-se que este em nada avançou na apuração das relações da máfia das sanguessugas com os ministros da Saúde ou com seus funcionários. Assim como não deu respostas sequer à origem dos R$ 1,7 milhão que seriam usados no pagamento do suposto dossiê.

O relatório final é acanhado. Indiciou dez pessoas, quatro ligadas a membros do Executivo e os seis "aloprados" vinculados ao PT. Nenhum parlamentar foi punido. Ninguém do governo é citado. Mesmo o deputado Ricardo Berzoini, afastado da presidência do PT desde o escândalo do dossiê e suspeito de ter autorizado a operação, escapou de ter seu nome na lista de pedidos de indiciamento no relatório da CPI ao Ministério Público.

José Airton Cirilo, eleito deputado federal pelo PT do Ceará, José Caubi Diniz, Raimundo Lacerda - ambos ligados a Cirilo - e Abel Pereira, empresário ligado ao ex-ministro da Saúde Barjas Negri, foram listados no pedido de indiciamento, juntamente com os seis "aloprados": Gedimar Passos, Valdebran Padilha, Osvaldo Bargas, Expedito Veloso, Jorge Lorenzetti e Hamilton Lacerda, todos vinculados ao PT, sendo Lacerda da assessoria da campanha de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo.

As investigações produziram danos colaterais. Dos 72 parlamentares inicialmente envolvidos, apenas cinco se reelegeram. E Mercadante viu enterrada sua eventual pretensão de compor o ministério do segundo mandato de Lula. Está de molho.

O desfecho foi melancólico, assim como foi tragicômico o desfecho da CPI dos Correios, que investigou a compra de votos de parlamentares, o chamado mensalão: à exceção do ex-ministro José Dirceu e do denunciante do caso, o ex-deputado Roberto Jefferson, que tiveram seus mandatos cassados, todos os demais indiciados que não renunciaram foram absolvidos pela Câmara dos Deputados. O final, mais uma vez, desmoraliza o principal instrumento que o Congresso tem para atacar as mazelas do país.