Título: Fundos de investimento no mercado de títulos corporativos
Autor: Duarte, Antonio e Mendonça, Marcos
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2006, Opinião, p. A12

A inexistência de um mercado desenvolvido para emissão e negociação de títulos corporativos no Brasil é um problema que afeta as empresas brasileiras. Se devidamente explorados, os fundos de investimento têm o potencial de propelir o mercado de títulos corporativos no Brasil. A indústria de fundos de investimento brasileira segue com uma elevada concentração em ativos de renda fixa (média de 90% do patrimônio total entre 2001 e 2005), e com um forte crescimento (patrimônio total dobrou de 2002 para 2005). São três os fatores potenciais para este desenvolvimento: a) riscos inerentes ao mercado de títulos corporativos, b) limites operacionais (legal e auto-regulatório), e c) o nível da taxa básica de juros.

Iniciando pelos riscos dos títulos corporativos, consideramos as duas principais dimensões: a) risco de crédito, e b) risco de liquidez.

A primeira preocupação no que se refere aos riscos de crédito é a pouca disponibilidade de instrumentos para sua gestão no mercado local. Por exemplo, ao final de 2005 o total de contratos de derivativos de crédito no Brasil somava R$ 1,8 bilhão, um valor diminuto quando o comparamos ao total de crédito do sistema financeiro destinado ao setor privado, R$ 586 bilhões. Pior, o mercado local é desprezível se comparado ao mercado global, o qual cresceu de US$ 800 bilhões em 2000 para US$ 5 trilhões atualmente. Prover instrumentos aos gestores de carteiras de crédito é fundamental para o aumento do interesse nos títulos corporativos. Pouco tem sido feito neste sentido no Brasil, entretanto.

Outra questão a ser considerada é o grau de desenvolvimento das técnicas de gestão de riscos de crédito na prática local. Ao contrário dos bancos, que passaram por um desenvolvimento acelerado nas duas últimas décadas, as empresas de gestão de recursos de terceiros não acompanharam essa evolução. Assim, deve-se ter uma maior disseminação da cultura de crédito, da importância do suporte tecnológico, da implantação de técnicas de gestão de riscos de crédito mais modernas, assim como maior grau de transparência. A assimilação destas novas técnicas na prática do mercado financeiro requer tempo, como toda mudança cultural, embora com impactos positivos duradouros.

A volatilidade dos ratings no mercado local demanda atenção também. Como exemplo, se considerarmos apenas as debêntures emitidas entre 1996 e 2005 no Brasil, em número de 639, um total de 115 passou por algum problema de inadimplência (principal ou juros). Em um trabalho de pesquisa os autores mostraram que houve uma sensível degradação do crédito no mercado de debêntures brasileiro entre 2000 e 2003, seguida de uma acentuada reversão de tendência. Estas oscilações não contribuem para o desenvolvimento do mercado de títulos corporativos local.

-------------------------------------------------------------------------------- Prover instrumentos aos gestores de carteiras de crédito é fundamental para aumentar o interesse em títulos corporativos --------------------------------------------------------------------------------

Considerando o risco de liquidez, diferentemente do mercado de ações, os títulos corporativos são negociados no mercado de balcão. Com base em série histórica de todas as negociações ocorridas no mercado secundário de debêntures entre 2003 e 2005 no Brasil, os autores estudaram o perfil de liquidez desse mercado. A base de dados analisada cobriu mais de 21 mil negócios, e um total de R$ 54 bilhões. Os dados revelaram que, em média, os títulos corporativos foram negociados em aproximadamente 4% dos dias úteis no período analisado. Ou seja, nosso mercado de dívida corporativa é extremamente ilíquido. Mesmo se utilizarmos algumas das novas propostas da literatura de finanças para mensuração da liquidez de ativos como, por exemplo, a "acessibilidade de um título", chegaremos a mesma conclusão: a falta de liquidez do mercado local é um dos maiores empecilhos a seu desenvolvimento.

Considerando os limites operacionais, lembremos que a Instrução CVM 409 é bastante liberal no que se refere à presença de títulos corporativos nos fundos de investimento. Analogamente, se utilizarmos a classificação ANBID, que permite hoje o investimento em títulos corporativos em excesso a R$ 520 bilhões, e lembrando que o total de títulos corporativos nas carteiras dos fundos era de R$ 110 bilhões em 2005, conclui-se que assim mantidos, os limites operacionais não causarão dificuldades ao desenvolvimento do mercado de títulos corporativos.

No que se refere ao nível da taxa básica de juros, seu impacto mais perverso para o mercado de títulos corporativos é sentido por meio do efeito deslocamento do crédito privado pela dívida pública federal. Se, por um lado incomoda saber que metade da dívida pública está em poder da indústria de fundos, pode-se entender esta situação como uma grande oportunidade para o mercado de títulos corporativos. De fato, o percentual da dívida pública no patrimônio total da indústria de fundos caiu de 80% em 2001 para 70% em 2005, tendo havido uma migração de recursos primordialmente para CDB´s, com os níveis alocados a debêntures e ativos de renda variável permanecem estáveis ao redor de 4% e 10%, respectivamente. Uma migração de recursos para longe da dívida pública pode, portanto, ser um propulsor para o mercado de títulos corporativos. Como ilustração vale mencionar que a indústria de fundos mútuos no mercado norte-americano, importante fonte de recursos para o setor privado, com um total de US$ 8 trilhões sob gestão ao final de 2004, tinha apenas 15% alocados em títulos públicos, com 22% investidos em títulos corporativos.

Uma contínua redução dos níveis da taxa básica de juros, uma reativação da atividade econômica, e uma melhora da qualidade do crédito privado podem abrir um espaço para o surgimento do mercado local de títulos corporativos. Para o governo existe um conflito de interesse no curto prazo em incentivar o desenvolvimento do mercado de capitais, reduzindo assim o mercado cativo existente para o financiamento da dívida pública.

O momento econômico é encorajador, especialmente se o arcabouço regulatório permanecer liberal, e os gestores investirem no aprimoramento da gestão de seus riscos de crédito. A baixa liquidez do mercado e a reduzida oferta de instrumentos de gestão de riscos de crédito ainda podem causar dificuldades, mas estas podem ser superadas em alguns poucos anos se emissores e investidores estiverem devidamente motivados.

Antonio M. Duarte, Ph.D. pela Princeton University, é Diretor do Ibmec/RJ.

Marcos M. Mendonça, Mestre pelo Ibmec/RJ, é Gerente de Pesquisa na BB Administração de Ativos DTVM S/A.