Título: Deputados e senadores dobram salário
Autor: Ulhôa, Raquel e Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2006, Política, p. A9

A partir de 1º de fevereiro, início da nova legislatura, o salário de deputado e senador será igual ao de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF): R$ 24,5 mil, teto do Poder Judiciário. O reajuste de pouco mais de 90% dos atuais salários dos parlamentares (R$ 12,8) foi decidido ontem em reunião dos integrantes das Mesas Diretoras e os líderes partidários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. "É uma bofetada na sociedade. É imoral!", afirmou a líder do P-SOL no Senado, Heloísa Helena (AL).

O impacto anual na folha de pagamento será de R$ 157 milhões na Câmara e R$ 16 milhões no Senado. Os presidentes das Casas, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que estão em campanha pela reeleição nos cargos, afirmaram que não haverá elevação da despesa. Segundo eles, o aumento salarial será compensado com cortes de gastos, não havendo necessidade de suplementação ao Orçamento de 2007 já previsto.

"A decisão é definitiva, perene, duradoura para que não tenhamos mais de conviver com desgaste dessa decisão", afirmou Renan. Segundo ele, "o importante é que haja transparência" na discussão sobre reajuste salarial dos parlamentares.

O aumento será concedido por meio de um ato conjunto das duas Mesas, que não precisa ser submetido à votação em plenário. Ficou definido que o subsídios dos parlamentares será desvinculado dos salários dos servidores do Congresso. Desde 1983, uma parte da remuneração dos funcionários é calculada com base em um percentual do recebido pelos parlamentares.

O reajuste pode provocar efeito cascata nas Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais. A Constituição determina que o subsídio do deputado estadual será de, no máximo, 75% do valor recebido pelos federais. O teto da remuneração dos vereadores, por sua vez, é baseado em percentual do salário de deputado estadual. No caso das Câmaras, o reajuste poderá valer apenas para a legislação a ser iniciada em 2009.

A equiparação com o STF não teve apoio unânime. O P-SOL da Câmara e do Senado e o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), foram contrários. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), não se posicionou. Disse que a bancada estava dividida sobre o tema. Líder do governo e candidato à Presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (SP) afirmou que, como líder, era contra o aumento. Mas, como deputado, tinha posição favorável.

Heloísa Helena criticou o reajuste. "É uma decisão imoral, especialmente diante do aumento mixuruca que foi dado ao salário mínimo. É uma farsa contábil dizer que esse aumento não significará aumento de despesas", disse "É uma demasia, um absurdo, um exagero. Principalmente, ao constatarmos que há todo um efeito cascata por trás disso. Hoje, já temos um fosso entre o que nós recebemos e o que a imensa maioria da população ganha. Esse fosso fica ainda mais aprofundado", afirmou o deputado Chico Alencar (RJ), líder do P-SOL na Câmara.

O líder do PMDB, senador Ney Suassuna (PB), chamou de hipocrisia o posicionamento contrário ao reajuste. Disse não falar em causa própria, já que não se reelegeu. E completou: "Nós não somos menos do que os ministros do Supremo".

O líder do PDT na Câmara, deputado Miro Teixeira (RJ), disse que essa pode ser a solução definitiva para o problema do reajuste dos parlamentares. "Não dá para ficarmos legislando em causa própria. Essa é uma discussão penosa. É aviltante para o deputado", afirmou. Miro acha o salário de deputados e senadores insuficiente para a função. "Depois de aplicados os descontos, a remuneração cai para R$ 8,5 mil. Considero pouco para o exercício da atividade parlamentar", disse. Ele lembra que hoje ninguém está impedido de doar o subsídio que recebe.

O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) afirmou que devolverá à Câmara a parcela dos R$ 24,5 mil que ultrapassar ao acumulado da inflação no período. "O aumento autoconcedido pela Câmara e pelo Senado afronta a Constituição Federal e o sentimento de justiça do povo brasileiro, à medida que elevaram ao máximo os salários, sem reduzir privilégios. Também não deram transparência à malfadada verba indenizatória. O Congresso abusa da autonomia constitucional e envereda no descaminho do pior corporativismo", disse, em nota divulgada à imprensa.

O último aumento foi concedido em 2003. Naquele ano, o salário dos deputados pulou de R$ 8,28 mil para R$ 12,72 mil. De lá pra cá, houve uma correção de 1% e os rendimentos, hoje, são de R$ 12,847 mil. O salário dos senadores não foi alterado. ap1A reunião foi aberta por Renan, colocando a proposta da equiparação em debate. Alguns parlamentares pediram para que fosse discutida, primeiro, a tese de aumentar para R$ 16 mil - o que significaria apenas a correção com as perdas da inflação. Aldo pediu a palavra. Avisou que tem sido feito um estudo com a Fundação Getulio Vargas para cortar gastos. Essa economia impediria que o reajuste significasse aumento de despesas.

Para mostrar que há margem no Orçamento para arcar com o reajuste, Aldo divulgou o valor da economia produzida em 2006 pela Câmara: R$ 130 milhões. Houve corte integral de publicidade, corte de Cargos de Natureza Especial, redução de hora extra de servidor e outras medidas. Câmara e Senado também aprovaram dispositivo acabando com o pagamento das convocações extraordinárias.

No caso do Senado, Renan alega ter cortado R$ 24 milhões com despesas de custeio e de funcionários. Em 2006, essa economia teria sido de R$ 50 milhões. O senador também alega que a decisão do Senado de barrar o reajuste proposto pelo ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, proporcionou uma economia de R$ 360 milhões em dois anos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que o Executivo vai negar dotações orçamentárias suplementares para bancar o aumento dos salários dos parlamentares. "A idéia é que já houve uma distribuição de recursos no Orçamento de 2007 e, portanto, isso deve prevalecer. Imagino que o aumento deles caiba na margem orçamentária que dispõem. O Executivo não pretende dar verbas adicionais", revelou.

Apesar de Mantega dizer que não pretende julgar os atos soberanos do Legislativo, admitiu que foi tomado de surpresa porque achava que o reajuste seria apenas o da correção da inflação e que também envolveria corte de verbas de gabinete.

O governo vai anunciar na quinta-feira, o pacote de medidas fiscais, tributárias e de gestão que pretendem estimular o crescimento da economia a taxas superiores a 5% ao ano. Mantega disse que, no lado fiscal, o objetivo é adotar uma norma de contenção dos gastos correntes, o que também implicará em limitações à elevação da folha de pagamento dos três Poderes.

"Não defendo equiparação com o salário de ministro do Supremo. Para nós, seria excessivo um salário dessa magnitude, embora gostaria muito de receber", comentou o ministro. O salário do presidente da República e dos ministros é de aproximadamente R$ 8,6 mil brutos. "Qualquer dia faço uma greve para aumentar o meu salário", ironizou.