Título: A cura do vício do petróleo
Autor: Perthes, Volker e Müller, Friedemann
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2006, Opinião, p. A15

A primeira-ministra Angela Merkel atribuiu alta prioridade à questão das mudanças climáticas na agenda da Alemanha para seu mandato nas presidências rotativas da União Européia (UE) e do G-8, que terão início em janeiro. Aqui apresento uma proposta concreta, uma proposta suficientemente geral para ser considerada e aceita pelos líderes mundiais, e suficientemente clara para ser compreendida por outros governos e empresas: simplesmente definam uma data, na próxima cúpula do G-8, a partir da qual deixariam de poder ser licenciados automóveis movidos a derivados de petróleo nos importantes países industrializados.

Tal decisão produziria fortes impactos, econômico e geopolítico, positivos. A causa real das atuais preocupações sobre a segurança energética não é a diminuição das reservas mundiais de petróleo, mas sim o fato de que a produção doméstica de petróleo pelos principais consumidores - Europa, EUA e China - irá diminuir no momento exato em que a crescente demanda asiática pressionar o mercado. As reservas disponíveis ficarão cada vez mais concentradas no Oriente Médio simplesmente porque as reservas em todas as outras regiões serão esgotadas mais cedo.

Além disso, os principais exportadores de petróleo não estão dispostos a subordinar suas políticas de investimentos a exigências do mercado. A Arábia Saudita busca administrar independentemente sua produção petrolífera, ao passo que o Irã amedronta e afugenta investidores em potencial com seus obstáculos burocráticos e corrupção. No Iraque falta segurança e os investidores estrangeiros na Rússia são rechaçados a cada iniciativa. Esses quatro países contêm metade das reservas mundiais comprovadas de petróleo e dois terços do que poderia, em princípio, ser exportado. Tudo isso, e não os custos de produção, é que está na raíz do encarecimento do petróleo e da corrida dos que disputam a assinatura de contratos de exploração petrolífera na Ásia Central e África.

Acreditar que o encarecimento do petróleo é bom por ser benéfico ao meio ambiente é ignorar alguns fatos básicos da política internacional. Em primeiro lugar, em muitos países africanos e asiáticos mais pobres as importações petrolíferas representam uma parcela significativamente maior dos gastos nacionais do que nos países industrializados, e por isso seu crescimento econômico e desenvolvimento social estão sendo colocados em risco - e pairam no horizonte novas crises de endividamento.

As receitas da produção petrolífera impedem reformas nos principais países exportadores. Graças a seu lubrificado vigor financeiro, regimes como os da Venezuela e Irã sentem-se cada vez mais incontidos por regras internacionais. Os retardatários, entre os países consumidores, como a China, repetem os antigos hábitos do Ocidente industrializado, com seu longo histórico de ignorar abusos dos direitos humanos com o objetivo de assegurar lucrativos contratos com regimes autoritário ricos em petróleo.

Somente os peso-pesados políticos e econômicos - os principais países industrializados que continuam sendo, de longe, os maiores consumidores de hidrocarbonetos -, podem inaugurar mudanças em escala mundial. Essas mudanças precisam começar no setor de transportes, que responde por mais de 50% do atual consumo petrolífero - uma participação que provavelmente tenderá a crescer.

-------------------------------------------------------------------------------- Mudanças em escala mundial precisam começar no setor de transportes, que hoje em dia responde por mais de 50% do consumo petrolífero --------------------------------------------------------------------------------

Os países do G-8 deveriam, portanto, comprometer-se em não mais licenciar novos carros movidos a gasolina a partir de 2025. Essa decisão não seria direcionada contra a mobilidade individual, mas contra a dissipação de um recurso escasso que é mais urgentemente necessário para produzir materiais sintéticos.

Os líderes políticos não deveriam privilegiar qualquer tecnologia em particular. Em vez disso, deveriam oferecer à indústria automobilística estímulos para que desenvolvam tecnologias alternativas baseadas em combustível de biomassa, etileno, hidrogênio e até mesmo gás natural durante um período de transição. Como benefício colateral, os países que liderarem politicamente essas iniciativas, assegurarão a setores de suas economias uma posição de liderança em tecnologia energética, garantindo para si futuros mercados.

A esperada redução significativa das emissões de CO2 poderá, assim, catalizar o avanço necessário para as políticas climáticas internacionais. Mas o desenvolvimento econômico também entrará em jogo: a cura de nosso "vício petrolífero" resultaria em maior disponibilidade de petróleo para os países pobres em desenvolvimento, além de baixar os preços e relaxar a competição geopolítica energética.

Geopoliticamente, os benefícios seriam analogamente evidentes, pois a possibilidade de os principais exportadores de petróleo chantagearem os países industrializados ficaria sensivelmente menor. Isso poderia aumentar o poder de barganha da comunidade internacional no Oriente Médio, e poderia fortalecer as forças sociais - em países como a Arábia Saudita, Irã e Rússia -, que desejam seriamente promover internamente reformas políticas e econômicas.

Como país tecnologicamente avançado e importante produtor de automóveis, a Alemanha está bem situada para implementar tal iniciativa. Merkel, com um doutorado em física e tendo iniciado sua carreira política como ministra do Meio Ambiente - em 1995, ela presidiu a primeira conferência promovida pela Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas - pode ter maior credibilidade para abordar a questão do que quaisquer outros de seus colegas na União Européia (UE) e no G-8. Este é o momento para uma ousada iniciativa de liderança.

Volker Perthes é diretor do Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP), o Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.

Friedemann Müller é um importante membro da SWP e um especialista em política energética. © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org