Título: Supremo nega proteção a bancos
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2006, Finanças, p. C1

Os bancos sofreram ampla derrota, ontem, no julgamento do recurso contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 7 de junho, considerou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) se aplica às instituições financeiras.

As instituições financeiras queriam que, no recurso, os ministros do STF declarassem que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser usado para questionar a aplicação de taxas de juros nos contratos.

Os ministros do Supremo não só permitiram que os juízes de primeira instância analisem juros aplicados nos contratos bancários - podendo, inclusive, modificá-los -, como também retiraram da decisão original uma proteção aos bancos: a de que o Código do Consumidor não poderia ser usado em ações para contestar a política monetária fixada pelo governo, em particular, a fixação da taxa básica de juros (Selic) pelo Conselho Monetário Nacional.

"Foi uma ampla vitória porque o Supremo reafirmou que o CDC se aplica a todas as operações bancárias, inclusive à fixação de juros", comemorou a advogada Claudia Lima Marques, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo a advogada, os juízes poderão rever a aplicação de juros em cada caso específico. Ou seja, se o correntista estiver descontente com os juros praticados por seu banco, poderá recorrer à Justiça. O juiz de primeira instância terá poderes para modificar a taxa, caso a considere abusiva.

O Banco Central informou que vai estudar a decisão antes de efetuar um eventual pronunciamento a respeito.

Procurado, o advogado Arnaldo Wald, que representa a Confederação do Sistema Financeiro (Consif), a autora da ação, preferiu não se manifestar.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) comentou que a decisão de ontem no Supremo "em nada altera o ambiente de negócios das instituições financeiras, que, desde a vigência do CDC, em 1990, especialmente na fase de tramitação da ADIN, fizeram as adaptações necessárias em seus contratos e procedimentos, para se adequarem às disposições previstas no Código. Quanto ao tema que foi objeto dos embargos, ou seja, a regulação da taxa de juros com base no CDC, a manifestação majoritária do Supremo foi no sentido de que a questão deve ser tratada em cada caso concreto, não havendo necessidade, no entanto, de ressalva a respeito na decisão proferida, mesmo porque a Corte reconheceu que o Código de Defesa do Consumidor não trata, em nenhuma de suas disposições, de juros".

Em junho, o Supremo decidiu que o Código do Consumidor não poderia ser aplicado para definição do custo do dinheiro nos contratos bancários. Segundo a decisão, o Judiciário poderia rever os juros, mas somente pelas regras do Código Civil.

O CDC parte do princípio que o consumidor deve ser favorecido. Já o Código Civil é neutro quanto à proteção dos envolvidos num processo, sejam bancos ou correntistas. Os próprios ministros do STF admitiram, ontem, que o CDC protege os consumidores por reconhecê-los como parte mais fraca nesse tipo de contrato.

A partir daquela decisão, o STF tinha dois caminhos diferentes a tomar, ontem: fixar que os juízes de primeira instância não poderiam alterar juros de contratos de bancos com empresas e pessoas físicas; ou permitir que o Judiciário analise caso a caso a aplicação de juros.

Houve divergência no início do julgamento. O relator do processo, ministro Eros Grau, defendeu a revisão da decisão para proibir juízes de alterarem juros. "Que o Poder Judiciário não fiscalize e não controle nem opere a revisão caso a caso de eventual abusividade na relação contratual das taxas de juros", disse.

Outros ministros entenderam que os juízes têm obrigação de rever abusos cometidos pelos bancos e fizeram críticas às instituições financeiras de modo geral. "É dever dos magistrados interferir nos contratos caso a caso, quando houver abusividade", disse o ministro Ricardo Lewandowski. "Para isso, os bancos precisam, nos termos do CDC, dar mais ampla publicidade à composição das taxas de juros", completou.

Após intensa discussão, os ministros concluíram que era importante chegar a uma decisão de consenso para evitar novos recursos num assunto importante. Então, resolveram, por unanimidade, retirar as conclusões sobre taxa de juros da decisão tomada em 7 de junho. A retirada foi formal, na "ementa" do processo, que é como é chamado o resumo da decisão judicial.

Com a retirada do dispositivo, a decisão de junho ficou sem as referências que davam proteção aos bancos. A decisão excluía o uso do Código do Consumidor em ações para contestar a aplicação de taxas de juros. Agora, é livre o uso do Código do Consumidor nessas ações.

Como fica a situação dos bancos frente a processos contra a aplicação de taxas de juros? "Agora, terá de ser discutido caso a caso", respondeu o ministro Eros Grau. "Antes, tinha ficado claro que quem fixa a taxa é o CMN. Agora, com essa limpeza na ementa, não está mais dito isso. Não é claro para o tribunal se a política monetária é definida pelo CMN ou pelo varejo", complementou o ministro , referindo-se a juízes de primeira instância. "Mas, foi o consenso possível no tribunal."