Título: Delatados sofrem pedidos de quebra de sigilo
Autor: Goulart, Josette
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Os delatados no caso Banestado já começam a sentir os efeitos das delações premiadas feitas pelos doleiros. Os processos ainda caminham lentamente porque, além deles, há inúmeros outros - fruto de informações obtidas somente com a quebra de sigilo fiscal dos doleiros - que ainda estão sendo investigados. Mas as contas delatadas pelos doleiros de clientes que se escondem sob off-shores começam a sofrer pedidos de quebra de sigilo bancário, por meio dos tratados internacionais, nos países onde estão localizadas. Além disso, no Rio de Janeiro duas denúncias de empresários delatados por doleiros já foram entregues à Justiça Federal carioca e a Receita Federal está chamando os contribuintes a se explicarem.

Esse emaranhado de ações simultâneas tem preocupado empresários e pessoas físicas que enviaram dinheiro ao exterior por meio das contas CC5. Muitos casos são de pessoas que nem mesmo cometeram irregularidades, mas quem tinha por objetivo esconder a sonegação fiscal está em maus lençóis. Um criminalista que defende um grande doleiro denunciado no esquema Merchants Bank, mas que não quis se identificar, diz que quem deixou de pagar impostos e declarar à Receita que o fez perderá de 70% a 100% da quantia enviada ilegalmente ao exterior. Isso não somente por causa do imposto, mas das multas aplicadas. E mesmo assim, mesmo com a extinção da punibilidade do crime de sonegação diante do pagamento, consolidada na jurisprudência, não se sabe se isso significará ou não responder um processo criminal por evasão de divisas.

O criminalista Celso Vilardi defende uma tese nova a ser experimentada nos tribunais superiores quando os primeiros casos chegarem a eles. Ele argumenta que o grande motivo para enviar dinheiro ao exterior sem declarar é a sonegação fiscal e que, portanto, a evasão de divisas é apenas um crime meio para se atingir o objetivo. Vilardi explica que os tribunais têm jurisprudência firme nesse sentido quando se trata de crime de estelionato. "Quando o criminoso compra um aparelho de som com cheque falsificado ele comete um estelionato, que absorve os crimes meios de falsidade", diz.

A tese é considerada boa pelo também criminalista Alberto Zacharias Toron. Ele usa o exemplo do sonegador que compra uma casa nos Estados Unidos, por exemplo, e que responde apenas por crime fiscal e não pelo de evasão ao ter enviado o dinheiro ilegalmente para o exterior para comprar a casa. Por outro lado, quando se trata de um ativo financeiro o crime passa a ser contra o sistema financeiro e o sonegador passa a responder também por evasão.

Mas as novas teses ainda não chegaram aos tribunais superiores porque antes da proliferação dos tratados de cooperação internacional não se conseguia pegar de surpresa os correntistas - e por isso o crime de evasão não se comprovava. Agora isso é possível, especialmente nos Estados Unidos, porque os acordos têm possibilitado pedidos de quebra de sigilo bancário entre um país e outro. E isso tem sido amplamente usado nas investigações decorrentes dos casos que envolveram o Banestado, Merchants Bank, MTB Bank e Beacon Hill, além de outras ramificações.

A troca de informações entre os Ministérios Públicos dos Estados Unidos e Brasil possibilitou a identificação de boa parte dos doleiros hoje denunciados e que respondem criminalmente. Como os doleiros mantém uma espécie de sistema interbancário entre eles, e por isso trocam recursos entre uma conta e outra entre diferentes bancos, a quebra de sigilo bancário permitiu a identificação em série de doleiros e, por consequência, dos clientes que não estavam escondidos por off-shores. (JG)