Título: Caso Banestado já soma 19 acordos de delação premiada com doleiros
Autor: Goulart, Josette
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2006, Legislação & Tributos, p. E1

O desenrolar do caso Banestado, três anos após as primeiras denúncias, começa a mostrar resultados que devem influenciar diretamente na forma de processamento de crimes contra o sistema financeiro no Brasil. Os procuradores da Força-Tarefa CC5, que comandam as investigações dos casos - que tiveram início em Foz do Iguaçu, passaram pelo Banestado e chegaram a bancos estrangeiros - já fizeram 19 acordos de delação premiada com doleiros e envolvidos nas 75 denúncias encaminhadas à Justiça Federal do Paraná. Outros dois acordos estão em andamento. Juntos, os delatores já desembolsaram ou deram garantias para pagar R$ 37 milhões em multas. No total, já foram 574 denunciados envolvendo valores superiores a R$ 19 bilhões e cerca de 40 condenações.

O caso está na vanguarda do uso da delação premiada no Brasil e ajudará a desenvolver uma jurisprudência ainda inexistente sobre o assunto. Mas o tema só vai chegar aos tribunais quando os delatados começarem a questionar esses acordos. E isso deve ocorrer em todo o país, já que todas as informações estão sendo enviadas para as autoridades do domicílio dos delatados, principalmente para São Paulo e Rio de Janeiro. Em primeira instância não há recurso, pois isso faz parte do acordo de delação. Basicamente, os termos dos acordos de delação feitos no Paraná prevêem a garantia da redução da pena desde que as informações prestadas possam ser usadas contra aqueles que fizeram remessas ilegais de recursos ao exterior. Além disso, os doleiros pagam uma multa.

Já houve doleiro que desembolsou ou deu bens para garantir uma multa individual que chegou a R$ 8 milhões. A dívida pode ser parcelada em até três anos, desde que sejam dados bens em garantia. O processo penal normalmente é suspenso até que os procuradores possam verificar a eficácia das informações prestadas pelos doleiros. Além disso, os delatores que estão na prisão passam a responder o processo em liberdade. Não há confirmação oficial, mas especula-se que Hélio Laniado, um dos maiores doleiros do país, foi solto em outubro em função de um acordo de delação. Outro caso famoso foi de Alberto Youssef, que por causa do acordo teve uma pena de sete anos de prisão decretada em regime semi-aberto.

No Paraná, os procuradores da Força-Tarefa CC5 conseguem fazer tantos acordos porque contam com o juiz Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que conhece bem a legislação americana sobre o assunto e acredita que por meio de delações pode se chegar a outros criminosos importantes. Ele conta que o acordo é todo feito pelos procuradores e, na acusação, é pedida uma redução da pena. Moro diz que as delações no Paraná seguem algumas regras usadas no exterior, já que no Brasil, apesar da previsão legal sobre o tema, não há uma regulamentação dos acordos. Por isso eles são feitos por escrito e não são concluídos caso as provas obtidas não corroborem o depoimento do delator. "A delação tem sido muito mal tratada pela mídia e por estudos jurídicos que ignoram a experiência internacional", diz Moro.

A procuradora Patrícia Núñez, do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, diz que é muito importante trabalhar em sintonia com o juiz para que os acordos possam ser feitos. Para ela, não adianta o Ministério Público oferecer algo ao delator se não tiver uma espécie de aval do juiz. Esse aval a que ela se refere é a certeza de que também o juiz fará a parte dele no acordo, ou seja, reduzir as penas. Os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martelo Júnior, que compõem a Força Tarefa CC5, explicam que os acordos só se tornam válidos a partir do momento em que as provas começam a aparecer. Qualquer mentira ou omissão detectada pode derrubar o acordo. A pena estabelecida é fixada em uma faixa de tempo e quanto mais frutos a delação resultar, mais benefícios se terá. O delator também passa a figurar necessariamente como testemunha em todos os processos resultantes de sua delação. "Se só temos a palavra do delator não se pode fazer nada contra o delatado, só com provas documentais", explicam os procuradores.

A falta de uma lei mais clara tem feito as delações se proliferarem pelo Brasil, mas, algumas vezes, feitas de forma temerária, segundo o criminalista Celso Vilardi. Ele diz que muitas delações são oferecidas pela própria polícia, sem qualquer respaldo do Judiciário. "É muito importante que a delação seja feita no âmbito do Judiciário porque é onde se tem os maiores dados para verificar se a acusação tem ou não credibilidade", afirma. Ou seja, é possível garantir a defesa dos delatados caso as provas tenham sido obtidas de forma ilícita.

Há várias formas de se obter prova ilícita e uma delas é sob coação, ou seja, se o delator entregou seus comparsas sob tortura ou algo do gênero. Se esse tipo de abuso fica comprovado todo o processo feito com base nestas provas é extinto. Um estudo feito pelo procurador Márcio Barra Lima, do Ministério Público do Rio, para sua dissertação de mestrado revelou que até fevereiro deste ano apenas uma decisão de segunda instância já havia tratado do tema delação. Foi um caso de tráfico internacional no Rio em que os delatados tentaram derrubar a delação, mas não obtiveram êxito. O caso foi para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por ser um instrumento novo, o instituto da delação ainda deve ser muito questionado. A delação foi inicialmente prevista na Lei de Crimes Hediondos em 1990. De lá para cá, foi inserida em outras legislações, como a de crimes tributários e de ordem econômica, de lavagem de dinheiro e de crimes contra o sistema financeiro. Em 1999, foi inserida na Lei de Proteção a Testemunhas, onde foi determinado que era um instituto a ser usado em qualquer tipo de crime. O procurador Barra Lima explica que, apesar de haver previsão legal da delação, não há hoje previsão do acordo na lei. O acordo de delação chegou a ser previsto na Lei de Tóxicos, de 2002, mas caiu com a entrada em vigor da nova Lei nº 11.343, aprovada em agosto deste ano sob o fogo cruzado do Primeiro Comando da Capital (PCC).