Título: Marco do saneamento mobiliza "velhas" e novas empresas do setor
Autor: Nakamura, Patrícia e Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2006, Brasil, p. A3

A aprovação da regulamentação do saneamento básico já provoca a mobilização de tradicionais companhias do setor e de novos competidores. E pode atrair de volta empresas estrangeiras que chegaram com avidez na década de 90 mas que, devido à falta de segurança para seus investimentos, saíram do mercado e do país.

De olho no grande volume de recursos necessários no país para o setor - R$ 10 bilhões anuais pelos próximos 20 anos - empresas como a Eco-Enob Soluções Ambientais e a Cibe (formada pelos grupos Bertin e Equipav) foram formatadas este ano e já colhem os primeiros resultados. Por outro lado, a Sabesp, maior empresa de saneamento da América Latina, não teme a concorrência e avalia que a clareza de regras vai ajudá-la na renegociação dos contratos com os 368 municípios para os quais presta serviços.

A Eco-Enob é presidida por Newton de Lima Azevedo, que por 13 anos esteve ligado ao grupo francês Suez (ex Lyonnaise des Eaux). O grupo fez parte da primeira concessão de saneamento do país, a Águas de Limeira, em 1995. "O setor deve atrair principalmente o interesse de companhias nacionais, como operadores de concessões, empreiteiras e empresas de infra-estrutura em geral", afirmou o executivo, que é um dos vice-presidentes da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib).

De acordo com Azevedo, a nova lei de saneamento permitirá às empresas participar de processos licitatórios em municípios que já têm concessões com empresas privadas ou que recebem serviços das companhias estaduais. Também será possível participar, via PPPs ou concessões, de projetos das próprias estaduais. "Dois terços das 27 grandes companhias de saneamento possuem problemas sérios de caixa. É possível participar de projetos específicos", afirmou.

A Sabesp opera o serviço de água e esgoto em 368 municípios de São Paulo, dos quais pelo menos 170 estão com contratos a vencer. A aprovação do marco regulatório facilita a renegociação desses contratos, segundo o presidente da empresa, Dalmo Nogueira Filho, pois dá segurança jurídica.

Nogueira Filho explica que no modelo anterior, quando terminava o período de concessão, fazia-se um balanço dos investimentos realizados pela empresa e se eles tinham sido pagos durante a concessão. "Normalmente não cobria, e não ficava claro quem pagava esse déficit à empresa, principalmente quando o contrato não era renovado", diz. Com o marco, o município é obrigado a ressarcir a empresa pagando no máximo em quatro vezes ou incorporando o déficit à nova concessão.

O grupo Bertin - que atua em frigoríficos, construção civil, cosméticos, transporte, energia elétrica, turismo, entre outros nichos - também decidiu apostar no filão de saneamento. Neste ano, por meio da Cibe, assumiu o controle da Águas Guariroba, empresa que presta serviços em Campo Grande.

A empresa conquistou recentemente as concessões das prefeituras de Itu (SP) e Magé (RJ). "A Cibe não pretende tomar concessões já estabelecidas, mas sim buscar novas oportunidades de negócio", afirmou Leonardo Barbirato Junior, diretor-presidente da Águas Guabiroba.

Enquanto aguarda a assinatura presidencial da regulamentação do setor, a Águas Guariroba toca o ambicioso projeto de duplicar até 2008 a rede de esgotos da capital sul-matogrossense, que conta com 630 quilômetros de ligações - que atendem a apenas 20% da população. Só o sistema de esgoto deverá exigir investimentos de mais de R$ 150 milhões, além de outros R$ 20 milhões em projetos de água.

A estabilidade do setor não atrairá só a iniciativa privada interessada em operar o serviço. O presidente da Sabesp crê que a definição das regras estimulará a abertura de capital das empresas de saneamento. No caso da estatal, que é uma companhia aberta de capital misto, Nogueira Filho conta que suas ações subiram na manhã de ontem 12%. "Isso mostra que a percepção do risco Sabesp caiu, e permite mais investimentos.

Outro ponto importante para o aumento de investimentos, segundo Nogueira Filho, é a possibilidade dos investimentos servirem como crédito no pagamento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). "Isso significa que teríamos mais R$ 200 milhões a R$ 300 milhões para aplicar", diz Nogueira Filho.

Azevedo, da Eco-Enob aposta na volta das empresas estrangeiras, mas com menos apetite em relação a sua primeira investida no país. "Elas se envolveram com outros negócios em seus países de origem, como energia elétrica. Lá, essas empresas têm assegurado proteção a seus investimentos." A partir de 1995, empresas como a Lyonnaise-Suez, Enron, Ondeo, Thames Water e Águas de Portugal aportaram no Brasil empolgadas com as oportunidades no setor.

Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), diz que muitas empresas estavam aguardando a aprovação do marco para começar a investir. "É um novo setor que se abre, isso poderá trazer novas empresas."

O advogado Álvaro Jorge, especialista em direito ambiental do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, diz que há três anos nota uma movimentação das empresas no sentido de se organizar para a entrada no setor, principalmente devido ao grande déficit que há na cobertura. "Tem coisas que você consegue viver sem, mas saneamento é indispensável e as empresas perceberam que em algum momento maiores investimentos precisariam ser feitos", diz.