Título: Para garantir térmicas em leilão, governo revê punições
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2007, Brasil, p. A3

O governo deverá rever os critérios de punição às usinas térmicas a gás natural para assegurar a presença desses empreendimentos no próximo leilão de energia A-5 (com entrega a partir de 2012), que foi adiado na semana passada, pela segunda vez em menos de um mês. A Abraget, associação que representa os geradores térmicos, havia reclamado das multas impostas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em caso de as usinas serem acionadas e não produzirem energia, por falta de gás.

Os geradores se queixavam de que a Petrobras, fornecedora do insumo, se recusa a compartilhar os riscos. Afirmavam ainda que as penalidades, se aplicadas, inviabilizariam a construção de novas térmicas e gerariam prejuízos às usinas existentes. Por isso, ameaçavam ficar de fora do leilão A-5. A ameaça ganhou contornos dramáticos porque, no leilão , nenhuma nova hidrelétrica será licitada e as térmicas a gás ou bicombustíveis (movidas também a óleo diesel) deverão contribuir com 4,9 mil megawatts de energia - o equivalente a cerca de 75% da geração prevista das usinas do Madeira.

Para superar o impasse e evitar um fracasso no leilão, a Aneel deverá aprovar, na semana que vem, uma resolução que cria uma espécie de "poupança" do gerador térmico. Pelo novo sistema em estudo, as usinas a gás poderão fornecer energia sempre que houver gás disponível, e não apenas quando solicitadas a entrar em funcionamento pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Como são mais caras do que a fonte hídrica, hoje as térmicas são ligadas somente quando os reservatórios das hidrelétricas diminuem ou quando o sistema interligado nacional precisa operar a todo vapor.

Pelo sistema de poupança, as térmicas poderão acumular créditos junto à Aneel e ao ONS, partindo da premissa de que sua operação economizará água dos reservatórios, mesmo quando estes estiverem cheios, contribuindo para a segurança no fornecimento de energia. Com isso, se forem acionadas e não tiverem gás disponível, as térmicas poderiam queimar seus créditos acumulados com as hidrelétricas. As multas continuariam sendo aplicadas da mesma forma, mas só incidiriam depois que esses créditos fossem todos consumidos.

"A energia que a usina térmica gerou a mais, ela poderá vender no mercado spot. Nós contabilizaremos essa poupança. Se o saldo de 'indulgências' for maior do que a quantidade de energia que ela não gerou [quando for acionada], a usina não perde garantia física e não tem que pagar multa", explicou o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. É como se a água acumulada nos reservatórios recebesse um adicional, quando há geração a gás fora do pedido do ONS, e esse volume extra pertencesse às usinas térmicas, exemplificou Kelman. "O reservatório só estará mais cheio graças ao gerador térmico", diz.

O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, admitiu que o adiamento do leilão foi causado pelo impasse com as térmicas. Embora não tenha data remarcada, ele espera ser possível fazer o leilão em agosto. Hubner envolveu-se pessoalmente na solução para o problema e está confiante na nova regra. "Isso pode amenizar muito a questão da multa e modificar o cenário do leilão", afirmou o ministro interino. "Por isso, estendemos um pouquinho o prazo do leilão para as térmicas absorverem a nova regra, refazerem suas contas e saberem se agora dá para arriscar um pouco mais", acrescentou.

Os investidores receberam bem as declarações das duas principais autoridades do setor elétrico. "Estamos muito satisfeitos com as providências tomadas e tenho plena confiança no que está sendo feito com a coordenação do ministro", disse o presidente da Abraget, Xisto Vieira Filho. "Estou certo de que, agora, os geradores térmicos vão entrar (no leilão) a mil por hora."

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, disse ontem que o adiamento dos leilões de energia nova, anteriormente marcados para o dia 10 de julho, foi decidido por problemas na negociação de contratos de gás para térmicas e porque alguns empreendimentos hidrelétricos obtiveram licença ambiental depois do prazo de habilitação estabelecido no edital.

O leilão de A-5 continua sem data. O de A-3 foi adiado para dia 26. Até lá a EPE espera o desfecho das negociações entre grupos interessados em construir térmicas e a Petrobras. Entre as usinas movidas a gás inscritas estão a térmica de Paracambi, da francesa EDF, e a usina de Santa Cruz, de Furnas.

Existem pontos de divergência entre a Petrobras e os grupos privados. Um deles diz respeito ao prazo de 90 dias de antecedência que a estatal estabeleceu para entrega de gás natural liquefeito (GNL). Outra questão, segundo Tolmasquim, é o pedido da Petrobras para rescindir o contrato. O Valor apurou que as usinas terão direito a desistir alguns dias após o leilão e a Petrobras quer ter o mesmo direito. (Colaborou Cláudia Schüffner, do Rio)