Título: Patriota assume e dá sinais de continuidade
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 03/01/2011, Mundo, p. 15

No discurso de posse, o novo chanceler brasileiro não falou da relação com os EUA e reafirmou que dará atenção "crescentemente diferenciada" aos vizinhos sul-americanos

Os três abraços trocados entre o novo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e o seu antecessor, o agora ex-chanceler Celso Amorim, foram a prova mais evidente de que essa não foi uma transmissão de cargo comum. Foi a passagem do legado alcançado por Amorim em oito anos para o amigo e mais competente aluno. Patriota já garantiu que orientará a política externa ¿construindo sobre a base sólida das realizações¿ do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O novo ministro deixou claro que os vizinhos da América do Sul receberão uma ¿atenção crescentemente diferenciada¿ e defendeu uma integração na região que inclua ¿diálogo, engajamento intelectual, emoção e idealismo¿. Apesar da expectativa de uma reaproximação com os Estados Unidos, devido à boa relação do ministro com Washington, construída quando ele serviu como embaixador no país, Patriota não deu indicações do que esperar da relação com o país em seu discurso de posse.

¿Em um mundo no qual não se dissiparam ainda totalmente as dicotomias Norte-Sul, a ação diplomática do Brasil pode contribuir para a promoção de relações mais equilibradas em torno a interesses compartilhados¿, disse, evidenciando uma continuidade da orientação diplomática brasileira nos últimos oito anos. ¿Compete-nos completar a transformação da América do Sul em um espaço de integração humana, física, econômica, onde o diálogo e a concertação política se encarregam de preservar a paz e a democracia¿, disse.

O novo chanceler deu sinais de que está disposto a ser a voz dos países ainda excluídos de fóruns multilaterais, como o G-20. Para ele, esses grupos só conseguirão consolidar sua autoridade se estiverem ¿sensíveis aos anseios e interesses dos mais de 150 países que não se sentam em suas reuniões¿. ¿Permaneceremos atentos para evitar que os círculos decisórios que se formam em torno das principais questões contemporâneas reproduzam as assimetrias do passado¿, declarou.

O ministro deu a entender que, em sua gestão, a expansão no número de embaixadas e representações diplomáticas pelo mundo pode diminuir, apesar de esperar uma ¿demanda por mais Brasil¿.

Despedida emocionada O homem que ficou mais tempo à frente da diplomacia brasileira se despediu do Itamaraty com um discurso escrito à mão. Emocionado, Amorim se disse feliz por deixar o cargo a ¿um homem que comunga dos ideais de transformação e de humanismo que inspiraram esses oito anos¿. ¿Redirecionamos o foco da nossa diplomacia, buscando explorar novos horizontes. (¿) Fui mais vezes a Porto Príncipe do que a Londres, e estive em São Tomé e Príncipe tanto quanto em Washington¿, elencou. Ao amigo Patriota, deixou apenas um ¿pensamento¿. ¿Confie no seu julgamento, como fez a presidenta Dilma ao nomeá-lo, e você estará, na grande maioria dos casos, tomando a decisão certa¿, afirmou. Após o discurso, Amorim afirmou que pretende voltar a dar aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e que já tem convites para dar palestras no exterior.

Entre os mais de 200 convidados presentes à cerimônia, estiveram presentes os chanceleres da Argentina, Héctor Timerman, da Armênia, Edward Nalbandian, e de Cabo Verde, José Brito, que se encontraram com o ministro após a cerimônia. Também compareceram vários embaixadores, como o americano, Thomas Shannon, que disse ser grande a expectativa de Washington em relação ao novo chanceler. ¿Antonio Patriota é provavelmente o melhor diplomata de sua geração, por quem eu, pessoalmente, tenho um grande respeito. Estamos esperando com boa vontade para começar a trabalhar com ele¿, disse Shannon ao Correio.

Falando grego Para vários convidados presentes à posse de Antonio Patriota, a única frase compreendida durante toda a quase uma hora de discursos foi a promessa, feita em inglês pelo novo ministro, de que a sua fala seria depois traduzida e disponibilizada. Ao contrário do que acontece na grande maioria dos eventos no Palácio do Itamaraty, não houve tradução simultânea dos discursos para o inglês.