Título: MRS cresce e vislumbra novos negócios
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2006, Empresas, p. B8

O transporte de cargas por meio de ferrovias ainda é tímido no Brasil - representa um quarto do volume total movimentado a cada ano. Mas tem crescido de forma sustentada nos últimos anos, resultado atribuído ao novo modelo de gestão implantado nas vias que foram privatizadas há uma década. Hoje, já são apontadas ilhas de excelência no setor, que em 2004 viu sua primeira representante na Bovespa, a ALL. A bola da vez é a MRS Logística, considerada a mais eficiente e lucrativa das concessionárias oriundas do desmembramento da RFFSA.

Os números operacionais e financeiros retratam o desempenho da MRS desde dezembro de 1996, quando foi entregue à gestão de um grupo de investidores liderados por Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), Usiminas e Gerdau. O volume de carga triplicou no período, de 42 milhões de toneladas no último ano de operação estatal, para 114,5 milhões em 2006. Os investimentos em modernização e renovação de vias, locomotivas e vagões superam R$ 1 bilhão. Desde 2003, a MRS gera lucro e desde 2004 paga dividendos aos acionistas. A dívida líquida deve fechar o ano em menos de R$ 200 milhões.

Nesse cenário, parece que não há mais desafios à concessionária operada por 3,2 mil funcionários, metade do pessoal herdado em 1996. Seria só manter o trem nos trilhos e colher os louros. Não é o que pensa Júlio Fontana Neto, ex-jogador de basquete do Palmeiras na juventude que preferiu se dedicar à carreira de engenheiro mecânico. Paulista, 51 anos, ele comanda a MRS desde outubro de 1999.

O executivo vê muito trabalho pela frente para levar avante um plano ambicioso, mas segundo ele factível - dobrar a MRS de hoje até 2010. Esse esforço, em linha com as necessidades de seus principais clientes, está orçado em US$ 1 bilhão. Todo esse dinheiro, que virá da geração de caixa e de algumas captações em estudo, já tem destino certo: vai para renovação de todo o sistema de sinalização da sua malha, que totalizará R$ 300 milhões; compra de mais 100 locomotivas de última geração, zero km, nos Estados Unidos e outras 40 usadas de pouco uso; compra de mais 5 mil vagões; até a duplicação de linhas, construção de pátios e uma correia transportadora na serra de Santos, entre outros.

"Hoje, circulam 100 trens por dia em nossos trilhos; esse número subirá para quase 200", informa Neto. Isso significará um trem num intervalo menor que dez minutos. Uma moderna sinalização da malha, com locomotivas controladas à distância, visa garantir esse tráfego intenso nos 1,7 mil km de extensão da ferrovia, desde Belo Horizonte, indo até o Rio e cortando o interior dos dois estados até São Paulo e Santos. "Em 2008, todo o trecho entre Barra Mansa e o porto de Sepetiba estará duplicado", comenta.

Para compensar esse movimento, diz o executivo, a empresa já começa a operar com vagões de maior capacidade, que carregam até 10% mais minério de ferro, aço, carvão, cimento, contêineres, bauxita, cimento, autopeças e partes de veículos, celulose e papel, produtos químicos e grãos.

Como os sócios, incluindo a Vale do Rio Doce, são os maiores clientes, minério de ferro e aço representam cerca de 70% da carga transportada pela MRS. "Nosso plano é diversificar cada vez mais para cargas gerais e grãos, diz o executivo. A concessionária, que já responde por 28% da carga do país movimentada em ferrovias (eram 23% em 2002), é a maior transportadora nacional de contêineres. A projeção para este ano é de 136 mil TEUs (medida adotada no setor).

Mas o novo salto da concessionária, que neste ano deverá superar a marca de R$ 2 bilhões de receita bruta, será fortemente vinculado à mineração e siderurgia. Para chegar aos 200 milhões de toneladas em quatro anos, a MRS conta principalmente com o projeto de expansão da mina Casa de Pedra, da CSN, cuja produção deve passar do patamar atual de 15 milhões para 50 milhões de toneladas. Não menos importantes são as cargas de minério da MBR para a nova usina da ThyssenKrupp no Rio, a partir de 2009; cargas da Vale para seu terminal de exportação em Sepetiba, as expansões de Açominas, Barra Mansa e Cosipa, além da correia transportadora, prevista para carregar 6 milhões de toneladas.

O futuro parece sob controle, mas chegar até aqui não foi nada fácil, recorda o executivo. Ao assumir o controle da "locomotiva" em 1999, a situação financeira da MRS era muito difícil. "Enfrentamos as crises da Ásia e da Rússia, a desvalorização cambial do Brasil, que impactou um empréstimo em dólar (eurobônus) de US$ 320 milhões, e depois vieram crise da Argentina e dólar no Brasil a R$ 3,80 em 2002", afirma.

Seu patrimônio líquido chegou a ficar negativo em R$ 320 milhões no auge da crise. Com lançamento de debêntures e ajustes nos cálculos das tarifas, a MRS reverteu a situação. "Foi um período muito difícil, o que nos levou a buscar um entendimento de todos os acionistas", afirma Jurandir Tambasco, presidente do conselho da concessionária desde 2003.

Operacionalmente, a empresa caminhava muito bem, observa Neto. O problema era na última linha do balanço. Hoje, o executivo aponta o que chama de três números cabalísticos: "Nosso crescimento anual, nos últimos seis anos, foi de 6% em volume, 25% em receita e 50% na geração de caixa". Para 2007, a meta de aumento na carga transportada é de 20% e nos três anos seguintes de 15% cada um.

Paralelamente, a MRS vislumbra entrar em outros negócios, como poder investir em terminais portuários - no momento estuda com parceiros um projeto em Santos -, no transporte multimodal, como já faz a ALL (usando caminhões) e até adquirir outras ferrovias. Para isso, um passo é criar uma holding, conforme exige a ANTT (agência do setor).

A concessionária também está envolvida com o projeto do ferroanel de São Paulo, obra de 63 km de extensão que retira a passagem de seus trens pelo centro de São Paulo. Com a nova alça, na face norte da cidade, poderá adicionar, segundo as contas de Neto, pelo menos mais 5 milhões de toneladas de cargas. A obra, orçada em R$ 900 milhões, é responsabilidade do governo federal, mas a MRS apresentou projeto, em análise no BNDES, no qual ficaria com 40%.

A ferrovia, hoje, é uma forte contribuinte do Tesouro federal. Além de investir pesado nos ativos que opera e distribuir 50% do lucro em dividendo aos acionistas, recolhe a cada trimestre R$ 43,9 milhões aos cofres federais a título de arrendamento da malha. A concessão vigora até 2026.