Título: Consumo crescerá mais que produção em 2007
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Brasil, p. A3

O consumo cresce desde 2005 a um ritmo superior ao da indústria, tendência que deve se acentuar no ano que vem. A combinação de juros em queda, aumento da renda e oferta abundante do crédito dará forte impulso à demanda, fazendo o consumo das famílias aumentar algo próximo a 5% em 2007, uma aceleração em relação aos 3,1% do ano passado e aos cerca de 4% esperados para este ano. A expectativa dos analistas de mercado para a indústria é de um crescimento de 4% no ano que vem, abaixo, portanto, da expansão da demanda.

A expansão significativa das importações é que tem abastecido parcela cada vez maior dessa demanda, o que de um lado evita pressões inflacionárias, mas de outro se traduz numa substituição de parte da produção doméstica por produtos importados. O resultado é um país que consome mais, com inflação baixa, mas cujo Produto Interno Bruto (PIB) cresce pouco - 3% em 2007, nas contas do Credit Suisse, ou 3,6%, nas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Ao lado dos investimentos, o consumo das famílias será o principal motor do crescimento no ano que vem, segundo o economista-chefe do Credit Suisse, Nílson Teixeira. Ele é mais otimista do que a média dos analistas em relação à trajetória dos juros, apostando numa taxa Selic, hoje de 13,25% ao ano, em 11,25% no fim do ano que vem - o mercado espera 12%.

As condições do mercado de trabalho também devem continuar a melhorar. Na previsão do Credit Suisse, a massa real de salários tende a crescer 6% em 2007, pela combinação de uma expansão de 3,5% do rendimento real (acima da inflação) e de 2,5% da ocupação. Teixeira traça ainda um cenário otimista para o crédito, pois a economia está mais estável e previsível e o consumidor tem mais confiança para tomar empréstimos e financiamentos.

Por tudo isso, o Credit Suisse prevê que o consumo das famílias - equivalente a 60% do PIB - deve crescer 4,8% em 2007. O investimento, componente da demanda que responde por 20% do PIB, deve crescer a taxa ainda mais robusta, de 6,2% no ano que vem, a mesma prevista para este ano. O Ipea tem números um pouco mais otimistas para 2007: 5,2% para o consumo das famílias e 7,4% para o investimento.

O economista-chefe da consultoria Gouvêa de Souza & MD, Maurício Moura, também aposta que o consumo crescerá a uma velocidade superior à do PIB em 2007, mas acredita que o avanço será um pouco mais modesto do que o Credit Suisse e o Ipea. Ele prevê um aumento de 3,8%, estimulado pela renda e pelo crédito.

A questão é que ele projeta uma expansão mais modesta da massa real de rendimentos, de 3%, porque o salário mínimo deve subir bem menos do que neste ano. Além disso, Moura diz que os trabalhadores não devem conseguir reajustes tão expressivos quanto em 2006. Ele acha que a evolução do crédito será um pouco mais contida do que em 2005 e 2006.

A exemplo do que está ocorrendo este ano, uma parcela da demanda deverá ser atendida por mais um expressivo aumento das importações, impulsionadas pelo câmbio valorizado. Ainda que a produção doméstica de bens duráveis e bens de capital tenha crescido em ritmo significativo de janeiro a outubro deste ano, o forte avanço das compras externas mostra que os importados aumentaram a participação no mercado interno.

Os números são eloqüentes: nos dez primeiros meses do ano, a produção doméstica de bens duráveis cresceu 6,9% em relação a igual período de 2005, ao passo que a quantidade importada desses produtos cresceu 81%. No caso de bens de capital, a fabricação nacional aumentou 5,5% de janeiro a outubro, enquanto as compras externas subiram 28%. "Nessas condições, o consumo das famílias pode crescer sem pressionar significativamente a inflação pelo canal de demanda", diz Teixeira. "O aumento dos importados aumenta a concorrência no mercado doméstico, pressionando os preços para baixo", afirma.

O processo de redução de estoques, que ocorreu no primeiro semestre, ajuda a explicar o descompasso no ano entre um consumo forte e uma produção industrial fraca. O resultado do PIB no terceiro trimestre, porém, já mostrou recomposição de inventários.

O Credit Suisse estima que o volume importado deve crescer 6,6 vezes mais do que do PIB neste ano, relação que deve cair para 4,4 em 2007. Mesmo assim, "é uma proporção muito superior aos 2,7 de 2000 e aos 2,9 de 2004, momentos que se seguiram a afrouxamentos monetários expressivos", diz Teixeira. Segundo ele, a relação atual só é comparável ao período do regime de câmbio semifixo, de 1995 até o início de 1999.

A substituição de produção doméstica por produtos importados fica bastante clara quando se analisa o consumo doméstico de máquinas equipamentos. Em 2003, os bens de capital importados respondiam por 30% do mercado interno; depois de três anos, o percentual subiu para 43%.

Para 2007, o banco estima que o volume total de importações de bens e serviços vai crescer 13%, bem mais que os 3% previstos para o de exportações. Desse modo, o setor externo vai contribuir negativamente para o PIB no ano que vem. Teixeira estima que a expansão mais forte das importações que das exportações vai "roubar" 1,3 ponto percentual do crescimento em 2007 - o mesmo percentual deste ano. Por isso, Teixeira diz que, caso se confirme sua previsão de uma expansão do PIB de 3% no ano que vem, haverá uma sensação de bem-estar maior do que a sugerida pelo número - a questão é que a absorção doméstica (consumo das famílias, consumo do governo, investimento e variação de estoques) vai crescer a um ritmo forte, contribuindo com 4,3 pontos percentuais para o avanço de 3% da economia.

O economista Caio Megale, sócio da Mauá Investimentos, diz que o descompasso entre o crescimento do consumo e o da indústria se deve a um motivo conjuntural e a um estrutural. O conjuntural é o câmbio valorizado, que barateia as importações e afeta as exportações. Isso leva a uma produção industrial doméstica menos robusta. O outro ponto é a falta de competitividade da economia, que tem dificuldade de concorrer devido a fatores como carga tributária elevada, legislação trabalhista complexa e um ambiente de negócios pouco amigável.

Megale afirma que não é possível que a demanda cresça indefinidamente acima da indústria, mas não vê riscos de que esse descompasso pressione a inflação no ano que vem, por exemplo. Como o saldo comercial deve continuar elevado em 2007 - ele espera US$ 40 bilhões, pouco abaixo dos US$ 45 bilhões deste ano -, há espaço para as importações aumentarem muito sem que isso leve a uma desvalorização forte do câmbio, o que poderia colocar alguma lenha na fogueira dos índices de preços.