Título: Chinaglia diz que será candidato à presidência da Câmara à revelia de Lula
Autor: Lyra, Paulo de Tarso e Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Política, p. A5

Escolhido pela bancada e apoiado pela Executiva do PT para ser o candidato do partido à presidência da Câmara, o líder do governo na Casa, Arlindo Chinaglia (SP), promete manter sua candidatura apesar dos riscos de cisão na bancada governista. Permanecerá candidato também à revelia da vontade do presidente Lula, que prefere o nome de Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Assegura que não é um projeto pessoal, mas de um grupo grande de deputados de diversas legendas e acrescenta que, em disputas como essa, "o peso individual do candidato conta na hora do voto secreto".

Nem mesmo a derrota do governo na escolha do ministro do TCU - em mais uma disputa em voto secreto, comprovando a capacidade de traição da base aliada - faz com Chinaglia mude de idéia. Para ele, o processo de construção da candidatura de Paulo Delgado, com uma prévia no dia da disputa, foi errada. Equívoco que, garante, não vai acontecer em seu caso. Ele desafiou o ministro Tarso Genro a fazer uma prévia entre os partidos aliados para ver quem, de fato, é o candidato de consenso.

Para não melindrar possíveis eleitores, Chinaglia afirmou que os partidos aliados "se identificam com o governo, mas disputam poder entre si", o que torna natural algumas dissensões em votações secretas. Não teme que a disputa com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), chegue até o plenário. Lembra que em 2005 apoiou Aldo - depois da renúncia de Severino. E deixa implícito que, agora, é a vez de o comunista apoiá-lo.

Em entrevista ao Valor na noite de quinta, Chinaglia negou que tenha o apoio explícito de José Dirceu e Marta Suplicy, mas afirma que, depois de ser aclamado pela bancada e aprovado por unanimidade pela Executiva, todos os grupos da legenda - ligados a Dirceu, a Marta e até a Lula - o apóiam automaticamente.

Em franca campanha, defende o aumento do salário dos deputados - se necessário até mesmo com a equiparação salarial aos vencimentos de ministro do Supremo Tribunal Federal - e a manutenção dos Cargos de Natureza Especial (CNEs), como forma de valorizar o trabalho do parlamentar honesto. Os principais trechos da entrevista:

Valor: Na primeira votação com voto secreto - escolha do ministro do TCU - depois da reeleição do presidente Lula, o governo foi derrotado. O que houve?

Arlindo Chinaglia: Para medir a unidade da base aliada, quero ressaltar a votação da proposta demagógica do reajuste de 16% para aposentados e pensionistas. O voto foi aberto. Do ponto de vista da articulação, ali foi uma demonstração inequívoca de unidade. Sobre a votação do TCU, há algumas variáveis a serem analisadas. Não havia, num primeiro momento, possibilidade matemática de alguém da base do governo ganhar. Na tentativa de aglutinar forças, fizemos uma prévia na véspera da eleição. Mas os compromissos partidários e pessoais já estavam feitos. Teve líder da base aliada que me procurou dizendo ter assumido compromisso com o Aroldo Cedraz (PFL-BA, eleito pelo plenário).

Valor: Alguns líderes reclamaram da falta de sinalização clara de apoio do governo ao nome de Paulo Delgado. Acham que isso pode se repetir na disputa pela presidência da Câmara.

Chinaglia: Há uma questão conceitual: aqui é o Congresso. É muito comum a tese de que o governo ganha ou perde, mas não podemos confundir. O Legislativo é outro Poder. O presidente Lula não pode ser criticado por ter se mantido à distância, respeitando a decisão do Poder. A reflexão teria de ser dos partidos da base aliada: lançar diversos candidatos e depois jogar para o presidente arbitrar eu não acho que seja o procedimento correto.

Valor: A base se une quando a questão é de mérito, de projeto. Mas, quando a decisão envolve interesses de partidos, como no TCU e na vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE) para presidente, a base não consegue se unir. Onde está o problema?

Chinaglia: Os partidos que compõem a base do governo se identificam com o governo, mas disputam entre si. Nenhum partido abre mão de seu espaço em favor de outro partido. Se a escolha para o TCU envolvesse um nome que representasse o governo, o processo de escolha seria outro.

Valor: Então, falta sinalização do presidente Lula de quem são seus candidatos preferidos nas disputas no Congresso?

Chinaglia: Há todo um conjunto de líderes para mostrar essa sinalização. A idéia da prévia surgiu de reuniões com os líderes da base. E, depois que as caravelas já estavam no mar, que já eram candidaturas, ainda conseguimos recolhê-las a tempo. Foi um feito político maiúsculo.

Valor: Sua candidatura à presidência da Câmara não abre precedentes para que outras caravelas sejam lançadas e dificultem a eleição de um nome único da base?

Chinaglia: Não. A construção da candidatura é que decide o resultado, não o fato de ela ser lançada ou não. Depois de minha indicação, o PT divulgou nota dizendo que meu nome estava sendo oferecido para construir uma candidatura coesa, estável. A bancada do PT é a segunda maior da Câmara e tem o direito de analisar e tomar decisões.

Valor: Por que o PT abandonou a defesa do critério da proporcionalidade?

Chinaglia: A proporcionalidade não é absoluta. O Aécio Neves foi presidente sem ter a maior bancada. E o PT perdeu a presidência duas vezes com a proporcionalidade: com Severino e Aldo. Além da proporcionalidade, há a questão política. Eu disse para o Geddel (Vieira Lima, PMDB-BA): "Se o PMDB se unir em torno de um candidato, é legítimo que tenha a presidência. Agora, se não é o PMDB, a segunda maior bancada é o PT".

Valor: Então, se o PMDB definir que terá candidato, o senhor abre mão de sua candidatura? Ou defenderá uma prévia?

Chinaglia: Depende das circunstâncias. Minha candidatura é para valer, mas não a qualquer custo. Estamos trabalhando junto aos partidos da base aliada, junto à oposição, estamos preparando um programa. Várias coisas contam. Mas o peso individual do candidato é insubstituível. O Severino não ganhou por acaso. Ele surpreendeu, sim, mas tinha peso na Casa.

Valor: O senhor cogita uma disputa em plenário entre o senhor e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP)?

Chinaglia: Cogito do Aldo me apoiar.

Valor: E cogita o inverso também?

-------------------------------------------------------------------------------- O peso individual do candidato é insubstituível. O Severino não ganhou por acaso. Ele tinha peso na Casa" --------------------------------------------------------------------------------

Chinaglia: Não. Eu já o apoiei, não é verdade? (Aldo foi candidato de consenso da base aliada quando Severino foi obrigado a renunciar, em 2005).

Valor: Uma eventual derrota do líder do governo em uma disputa com o presidente da Câmara - mesmo aliado - não carimbaria o resultado como derrota do Planalto?

Chinaglia: Se o Aldo foi eleito por uma intervenção do governo, eu o vejo como homem de governo. Se eu perder, será o Arlindo que perdeu. Aldo não é um nome hostil ao governo.

Valor: A derrubada da cláusula de barreira no STF fortalece a candidatura do Aldo?

Chinaglia: Não, porque nunca trabalhei com a interpretação de que ele não seria candidato por causa da cláusula. Quando se cobra do PT respeito à proporcionalidade, não é importante cobrar também do PCdoB que cumpra a proporcionalidade? Não é razoável uma bancada de 80 deputados tenha a pretensão de presidir a Casa? Não precisamos de subterfúgios, de cláusula de barreira. Fui escolhido pela bancada e pela Executiva. Isso é importante para dizer que não é projeto pessoal.

Valor: O ministro Tarso Genro disse que o governo vai chamar os aliados para conversar em busca de um nome único. Há disposição de vocês para buscar o consenso?

Chinaglia: Da minha parte, total. O Tarso poderia reunir todos os partidos da base e tomar uma decisão. Eu acataria o resultado.

Valor: O Tarso, então, deveria chamar os candidatos para uma conversa?

Chinaglia: Os candidatos, não. Deveria chamar os líderes, que reuniriam as bancadas e deliberariam. É a melhor maneira de garantir a coalizão. Se quiser fazer prévia na base, eu topo.

Valor: Durante o governo Fernando Henrique, o governo se envolvia mais nas disputas no Congresso ou o Legislativo decidia sozinho?

Chinaglia: É o que dizem. Já ouvi esse comentário de pessoas que eram da base do governo passado e agora são da nossa.

Valor: Não está na hora de o Palácio operar mais incisivamente?

Chinaglia: Eu achava humilhante, no governo passado, moças no plenário conferindo votação. Nunca colocamos bedéis para controlar deputado.

Valor: A insistência do PT em lançar candidatura é uma resposta ao apetite do PMDB em ter mais espaço na Esplanada?

Chinaglia: O PT não age em reação aos outros. A bancada do PT tem consciência de que tem de articular com as outras legendas. Quem decide (ministério) é o presidente da República, não é a bancada do PT.

Valor: O senhor tem apoio dos grupo de José Dirceu e de Marta Suplicy?

Chinaglia: Na medida em que eu fui escolhido pelo PT, a partir de agora eu tenho o apoio de todos os grupos: do Dirceu, da Marta e do presidente Lula.

Valor: Por que o senhor é favorável ao aumento do salário dos parlamentares?

Chinaglia: Sou favorável à valorização do trabalho parlamentar. Existem parlamentares honestos que dependem exclusivamente do salário. Eu não banalizo, acho que o deputado federal tem que ganhar bem.

Valor: E eles já não ganham bem?

Chinaglia: Essa pergunta é horrível. Se eu falar que sou favorável à equiparação salarial, é campanha eleitoral. Se eu falar que sou contra, vai ser usado contra mim. Sou favorável ao aumento, é isso. Se o caminho for a equiparação com o Supremo, sou favorável à equiparação. Pode publicar.

Valor: E a questão dos Cargo de Natureza Especial (CNEs)? A decisão do presidente Aldo (de cortar os CNEs) foi pouco carismática, na visão dos parlamentares.

Chinaglia: Os CNEs são necessários. O cargo de confiança é útil na administração pública. Não sei quantos CNEs têm na Casa, nunca tive acesso à lista. Mas, se eleito, não vou reduzir nenhum.