Título: UE e Turquia põem negociação à prova
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Internacional, p. A7

O início das negociações sobre a entrada da Turquia na União Européia foi motivo de comemoração para autoridades dos dois lados. Um ano e dois meses depois, o sentimento é de desconforto. Por pressão de alguns países membros, a UE deve esta semana congelar parcialmente as conversações, alegando que o governo turco não fez o esforço que deveria para melhorar de uma vez por todas suas relações com o Chipre, uma ilha de menos de 800 mil habitantes que se tornou membro do bloco em 2004.

Analistas temem que uma interrupção das negociações possa disseminar uma onda de sentimento anti-Ocidente na Turquia - país de maioria islâmica moderada - além de provocar ainda mais a instabilidade no Oriente Médio.

Europeus querem que o governo turco abra seus portos e aeroportos ao Chipre. Para salvar as negociações, Ancara ofereceu um grande porto e um aeroporto aos embarques cipriotas. A proposta foi recebida como um passo insuficiente. O destino das negociações será avaliada pelos ministros do Exterior da EU hoje e num encontro que tem início da quinta-feira, quando a decisão final deve ser anunciada.

Chipre e Turquia têm um longo histórico de desentendimentos. A ilha foi dividida em 1974 quando forças turcas invadiram a ilha após uma golpe desfechado por cipriotas que defendiam uma união com o Grécia. Desde então tropas turcas mantêm a parte da norte da ilha, habitada por turco-cipriotas, sob ocupação. Em todo o mundo, só a Turquia reconhece a região como um Estado. O país cobra da UE o fim do embargo aos turco-cipriotas e diz que assim Ancara flexibilizaria a relação ao Chipre.

Diplomatas concordam que se a Turquia quiser mesmo entrar para a UE será necessário em algum momento fazer concessões mais contundentes aos greco-cipriotas, que controlam a parte da ilha que faz parte da bloco. Mas para alguns analistas, essa questão não deveria impedir o avanço das negociações com o bloco agora.

"É possível que o rabo greco-cipriotas balance o cachorro da UE?", resumiu o ex-embaixador turco na UE e no Reino Unido Ozdem Sanberk em um artigo publicado na semana passada no diário britânico "Financial Times". O Chipre tem uma população de de 749 mil habitantes contra 72 milhões da Turquia.

Colocada na balança, as implicações da candidatura turca parecem realmente ter um peso muito maior do que os desacertos históricos com os cipriotas. A entrada da Turquia na EU representaria uma mudança geopolítica importante em favor de potências ocidentais, incluindo os EUA. O país faz fronteira com Iraque, Irã e Síria, três nações vistas como dores de cabeça constante pelos EUA e outras potências ocidentais. O país é visto como uma ponte entre o Ocidente e o Oriente. "Seria importante para os países ocidentais ter um aliado como a Turquia no bloco europeu para ajudar a estabilizar toda a região", avalia Maurice Fraser, pesquisador do Instituto Europeu, da London School of Economics.

Mas parte importante da resistência de alguns países de EU à entrada da Turquia não tem, na verdade, relação com a questão do Chipre. Mas sim com o fato de os turcos serem um país de maioria muçulmana e com uma herança cultural bastante diversa da da Europa Ocidental. A Turquia se transformaria em pouco tempo no país mais populoso do bloco.

"A diferença religiosa desempenha um papel crucial na percepção de muitos europeus sobre o que deve ser a União Européia, embora os países prefiram não dizer abertamente que resistem à Turquia por ela não ser cristã", disse em Bruxelas no início do mês ao Valor, sob a condição de não ter seu nome revelado, um dos negociadores da Comissão Européia que atua na na ampliação da UE. A declaração de apoio do papa Bento 16 à candidatura pode ter algum efeito diplomático, mas limitado.

Entre os países da EU mais críticos à adesão da Turquia estão a Áustria, Holanda e França. Reino Unido, Espanha e Itália estão entre os apoiadores da candidatura.

A reação européia pode acabar provocando desinteresse dos turcos na UE, segundo Oktay Aksoy, diretor para programas internacionais do Instituto Turco de Política Externa. "Quanto mais essas atitudes inadequadas durarem, mais elas serão interpretadas como preconceito religioso. E a frustração pública tende a se tornar em descontentamento e até em ódio não só contra a UE mas contra o Ocidente de modo geral".