Título: EUA deveriam pensar mais nas 'petromoedas'
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Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Internacional, p. A7

Políticos e empresários americanos vêem a subvalorizada moeda da China e seu enorme superávit em conta corrente como a principal causa do enorme déficit americano. Por isso, esta semana uma delegação de altíssimo nível chefiada por Henry Paulson, secretário do Tesouro, irá a Pequim para persuadir a China a tomar medidas para reduzir seu superávit. Mas será que a missão está indo ao lugar certo? Globalmente, a maior contrapartida ao déficit americano é o superávit agregado das economias emergentes exportadoras de petróleo. A expectativa é que elas tenham superávit total em conta corrente de cerca de US$ 500 bilhões este ano, pondo em segundo plano o provável superávit chinês de US$ 200 bilhões (veja gráfico).

Contando só os exportadores de petróleo do Oriente Médio, o superávit disparou de US$ 30 bilhões, em 2002, para US$ 280 bilhões este ano. Esse superávit recebe bem menos atenção que a alta menor de US$ 160 bilhões da China pois só uma fração dele teve como destino as reservas oficiais, divulgadas publicamente. A maior parte é entesourado em fundos estatais de estabilização ou em investimentos, como no caso da Agência de Investimentos de Abu Dhabi, mais envolta em segredo do que o Banco do Povo da China, mas que provavelmente abriga exatamente a mesma quantia de dólares.

Uma grande diferença é que a China agora permite que o yuan se valorize. A moeda subiu à taxa anualizada de quase 7% desde setembro. Já os seis membros do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico (GCC) - Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuait, Bahrein, Omã e Qatar - que respondem por quase todo o superávit do Oriente Médio, continuam ancorando suas moedas ao dólar. Isso se deve em parte à preparação para o plano do GCC de adotar uma moeda única até 2010. Mas o resultado bizarro é que, nos últimos quatro anos de alta do petróleo, seus câmbios reais ponderados pelas trocas comerciais caíram.

As economias do Golfo Pérsico tiveram superávit médio em conta corrente de 30% do PIB, bem maior que os 8% da China. Os exportadores de petróleo não podem gastar seus ganhos extraordinários do dia para a noite e faz sentido para eles ter superávit quando o petróleo sobe, como proteção para quando os preços caírem. Apesar disso, há um limite para o acúmulo de algo benéfico.

Poderia ser melhor, tanto para os países do Golfo quanto para a economia mundial, se eles abandonassem sua ancoragem ao dólar e adotassem algum tipo de cesta de moedas. Um regime cambial mais flexível permitiria a esses países retoma-rem o controle de suas políticas monetárias e assim esfriar suas economias superaquecidas. Ao atrelar seus câmbios ao dólar, eles tiveram de adotar a política monetária americana, deixando as taxas de juro reais baixas demais para economias em tão rápido crescimento. O crédito também está crescendo, a inflação está em alta e os preços de ativos, especialmente imobiliários em locais como Dubai, explodiram.

É quase certo que os índices oficiais de preços subestimem a inflação. Segundo estatísticas oficiais, os preços subiram 7% nos EAU em um ano, mas estimativas independentes estimam em 15%. A desvalorização do dólar frente a outras moedas importantes está provocando uma alta nos preços dos produtos importados. Só 10% das importações do GCC vêm dos EUA (contra um terço da Europa e outro terço da Ásia). Assim, do ponto de vista da ponderação pelas trocas comerciais, a ancoragem ao dólar não faz sentido.

Em tese, um petróleo mais caro deveria implicar uma alta nas taxas de câmbio reais dos exportadores; e é melhor que isso ocorra por meio de uma elevação na taxa nominal que pela alta da inflação. O principal argumento contra permitir que o câmbio suba é que isso prejudicaria a competitividade do setor não petrolífero em países que necessitam se diversificar. Mas a âncora cambial ao dólar nem sempre foi uma bênção para as economias. Quando o dólar valorizou, no fim dos anos 90, setores não petrolíferos ficaram em dificuldades. Essa é outra razão pela qual uma ancoragem a uma cesta de moedas ponderada pelas trocas comerciais faria muito mais sentido.

Brad Setser, economista da consultoria Roubini Global Economics, argumenta que a ancoragem ao dólar nos países do Golfo também está impedindo um reequilíbrio necessário da economia mundial. A recente depreciação de suas moedas provocou alta no preços dos produtos importados. Isso pode ser uma das razões pelas quais o aumento das importações foi fraco em relação ao aumento das exportações. Se o dólar seguir caindo, ele arrastará ainda mais aquelas moedas, e mantendo os desequilíbrios externos.

Um câmbio totalmente flutuante causaria volatilidade excessiva, mas uma flexibilidade um pouco maior poderia ser útil para ajudar os exportadores de petróleo a se ajustarem às flutuações dos preços do petróleo. Uma cesta de moedas ponderadas pelas trocas comerciais (na qual o euro tivesse um grande peso), ajudaria a estabilizar o câmbio real dos países do GCC e protegeria assim sua competitividade. Mas mesmo isso não garantiria que as moedas dos exportadores de petróleo viriam a mover-se corretamente em sincronia com o preço do petróleo.

Por isso, alguns economistas sugerem que os exportadores deveriam vincular suas moedas de algum modo ao preço do petróleo. As moedas subiriam quando a cotação estivesse alta e cairiam quando estivesse baixa. Isso ajudaria a ampliar substancialmente o poder de compra desses países no exterior e assim também suas importações quando o petróleo disparasse. Isso ajudaria ainda a estabilizar o valor da receita petrolífera em moeda local e, portanto, as receitas governamentais, ajudando a evitar grandes déficits em tempos de vacas magras e enormes superávits nas vacas gordas.

Os exportadores alegam que atrelam suas moedas ao dólar pois o petróleo é cotado em dólar, e eles querem evitar riscos cambiais. Mas estabilidade cambial não garante estabilidade econômica. Ao contrário, uma moeda flexível permitiria que as economias administrassem melhor choques do preço do petróleo.

Mas uma valorização das petromoedas não seria, por si só, a cura do déficit americano (nem um yuan valorizado). A principal solução para o reequilíbrio mundial é os EUA pouparem mais e os países superavitários, tanto os exportadores de petróleo como a China, gastarem mais. Uma valorização das petromoedas poderia ter um papel nisso.