Título: Esqueça Iraque: queremos painel sobre Bush
Autor: Carlson, Margaret
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Opinião, p. A11

Esperando por Baker virou a peça na qual todos em Washington queriam participar. Esse período permitiu a ambos os lados acionar o botão de pausa, enquanto aguardavam o relatório do Grupo de Estudos do Iraque, liderado pelo ex-secretário de Estado James Baker e pelo ex-deputado democrata Lee Hamilton. O relatório ofereceria cobertura a todos - a republicanos, temerosos de chacoalhar o seu presidente, levando-o a tomar uma atitude, e a democratas, com medo de arriscar qualquer proposta que deixasse uma abertura para Karl Rove acusá-los de reduzir as tropas e fugir.

O presidente George W. Bush não gostou de participar do projeto, o que só acrescentou à sensação de que o painel seria importante. Bush havia se referido nervosamente ao ex-secretário de Estado como "Jimmy", isso quando não o esquecia de vez e, antes do relatório, rotulou-o como simplesmente mais um em que ele deitaria os olhos. Bush revidou, à medida que vazavam partes do relatório. Ele intensificou a sua postura de insistir que não haveria nenhuma saída rápida do Iraque, fosse gradual ou diplomática, até a "missão ser completada".

Bush poderia ter poupado as suas palavras. Na verdade, o relatório prorroga o jogo de espera em seu favor, pois não consta nenhum cronograma para as suas recomendações, ao contrário das comissões que propõem leis para o Congresso. Há um motivo que permitiu a Bush declarar "Levaremos cada proposta seriamente", ao receber o relatório na quarta-feira. Ele pode simplesmente seguir adiante como se nada houvesse acontecido.

Bush não precisará ignorar o relatório. Ele pode simplesmente concordar com grande parte dele. O painel deixa nas mãos dos comandantes militares as decisões sobre o escopo e a velocidade dos deslocamentos de tropas de situações de combate ao treinamento. Já ouviu Bush dizer alguma vez que deixa os níveis das tropas e sua disposição aos "generais no campo?"

Um objetivo do painel foi transferir a responsabilidade pela segurança aos próprios iraquianos o mais depressa possível. Já ouviu Bush dizer alguma vez "Sairemos de cena quando os iraquianos entrarem?"

A comissão projeta um cenário de pelo menos 70 mil efetivos no Iraque por muitos anos. Parece que Bush estava certo quando afirmou que ficaria para os futuros presidentes a tarefa de decidir sobre o fim da presença dos EUA naquele país.

O relatório chegou a empregar termos duros, ao descrever a situação no Iraque como "grave e em processo de deterioração", e ao questionar a força do governo do primeiro-ministro Nuri-al-Maliki. Mas o próprio assessor nacional de Segurança Nacional do presidente já havia feito isso, escrevendo em uma nota que vazou na semana passada que a segurança de Bagdá é perigosa e que o premiê iraquiano não está à altura do cargo.

Bush rejeitou aquela avaliação enquanto elogiava Maliki em encontros na Jordânia como o "cara certo" definitivo para levar a democracia ao Oriente Médio, um dia depois de Maliki ter cancelado um encontro com ele.

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Num capítulo sem eficácia, o Grupo de Estudos do Iraque adverte que Maliki precisa demonstrar progresso nas questões da "reconciliação nacional, segurança e governança". Caso contrário, terá de enfrentar uma redução no "apoio político, militar e econômico" de Washington. Enfrentar o que, quando? E quem promoverá a redução?

O relatório esclarece um mistério: por que Bush teria feito tanto barulho sobre eliminar o lema "manter o curso" do seu livro de frases, quanto mais da sua política, há pouco tempo. O vazador-mor Baker deve ter deixado escapar para a Casa Branca há vários meses que seu grupo não afirmaria que manter o curso não seria mais uma opção viável.

Uma recomendação poderá ser difícil de assimilar para Bush. O relatório recomenda uma conferência regional com os vizinhos do Iraque, Estados fora-da-lei que Bush já havia declarado que não recompensaria com a sua concordância em entrar em nenhum tipo de negociação. Como definiu Jon Stewart em seu "Daily Show", Bush quer "esgotar todas as opções violentas antes de recorrer à diplomacia".

Mas essas recomendações do painel podem acabar dando cobertura a Bush. Em uma de suas muitas coletivas de imprensa, Baker declarou que não acredita que o Irã aceitaria um convite para conversar, mas que ele teria inserido isso para que "o mundo visse a atitude de rejeição". Não é Bush que está se recusando a conversar, são aqueles xiitas obcecados por tecnologia nuclear em Teerã.

Transformar o grupo de Baker num veículo para os nossos sonhos e esperanças nos levou a perder de vista algumas verdades eternas. Comissões são preenchidas por gente que conseguiu ascender das formas mais esdrúxulas a uma condição respeitável e que se orgulha de agir dentro do consenso. Quando este grupo decidiu tornar o relatório unânime, declarando que não haveria nenhuma tentativa de "olhar de volta" para o passado, seus integrantes asseguraram que poderiam abordar o tema mais difícil da atualidade sem melindrar ninguém.

Comissões são excelentes para estudar Seguridade Social e Educação. Mas imagine se Abraham Lincoln, em vez de demitir George McClellan, tivesse convocado uma comissão para pensar sobre isso, ou se Franklin Delano Roosevelt tivesse consultado os bambas da sua época para refletir sobre o Dia D. É desagradável descobrir que uma comissão, em tempo de guerra, encontrou tempo para posar para uma foto de página dupla no Men´s Vogue e que contratou uma firma de relações públicas às suas próprias custas.

A onda promocional em torno do Grupo de Estudo do Iraque surgiu em parte da noção de que sempre que alguém da primeira administração Bush é convocado para ajudar na segunda, imaginamos que Papai [Bush] está enviando pessoas com cabeças mais frias para incutir algum sentido no garoto. Isso é bobagem. Robert Gates produziu manchetes na semana passada com as audiências da sua confirmação [ao cargo de secretário de Estado] ao declarar que não estamos vencendo no Iraque. Mas depois ele disse que tampouco estamos perdendo.

Baker e Gates não vieram para expulsar o Junior da fazenda. Eles vieram ajudá-lo a arar a propriedade. Como poderíamos ter imaginado de outra forma?

O que realmente precisamos é de uma Comissão Bush. Tudo o que recebemos do presidente são banalidades sobre vencer e sobre quanto os iraquianos anseiam por liberdade e democracia. Em nenhum momento ele desce à Terra e diz o que deverá acontecer. Este seria um relatório de comissão que valeria a pena esperar.