Título: China se mobiliza para a guerra mundial dos carros
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Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Especial, p. A12

No andar térreo do prédio da administração da Shanghai Maple Automobile (SMA) estão em exibição os seus novos protótipos de carros. Com o de cor mais alegre, a montadora pretende, por enquanto, conquistar o público feminino chinês: tem ganchos para colocar a bolsa, console para cosméticos e espaço para guardar os sapatos de salto alto, enquanto a motorista dirige com mais confortáveis sandálias. O carro, já equipado com proteção para uma criança no banco traseiro, estará em janeiro nas revendedoras a 63 mil yuanes (US$ 8 mil). Chama-se "hai xuan" - o brilho do mar.

Com o outro carro, a SMA quer conquistar o mundo dos homens. É mais robusto, linhas sóbrias e parece confortável. Ainda não tem nome, pois será lançado só em 2008 e terá também uma versão esportiva. A intenção é já estrear com motor flex, movido à gasolina e eletricidade. "Estamos trabalhando nisso", diz, sem mais detalhes, o bem-humorado secretário-geral da fábrica, Lou Can Zhong. Ele estima que o carro será vendido por um preço equivalente a US$ 5,5 mil ou US$ 6 mil. O carro ostenta um escudo com as iniciais da empresa sobre a folha que lhe dá o nome em inglês: "maple", de bordo, que aparece na bandeira do Canadá e é típica da região de Xangai. Visto de longe, e também de perto, por qualquer ângulo, o escudo sugere o logotipo da alemã BMW. Lou afirma que todo o carro foi concebido por engenheiros chineses e que há respeito absoluto à propriedade intelectual nas peças e componentes importados.

A SMA pertence ao grupo Geely, de capitais privados nacionais. Seus carros são considerados os mais caros da indústria automotiva chinesa e já estão no mercado da Europa Oriental, na Jordânia, no Egito e na Líbia. Para este país, a primeira partida de 2 mil carros esgotou-se em dois meses. No primeiro dia, com farta publicidade, foram vendidos 200, segundo Lou. O pátio está repleto de carros novos, aguardando um novo embarque para a Líbia. São parecidos com o modelo 2008 em exibição, mais compactos.

A SMA está a 60 quilômetros do centro de Shangai, no meio do campo do Distrito de Jinshan, onde o governo cedeu terrenos para a instalação de fábricas não poluidoras e incentivou a instalação de empresas que investigam processo de inovação em qualquer atividade industrial.

Ao lado do pavilhão antigo, ampliado duas vezes, e onde trabalham 2 mil operários em dois turnos, acabou de ser construído um prédio para a linha de montagem dos novos modelos, em que trabalharão 115 operários por turno. Um carro levará entre 2,5 a 4,5 minutos para percorrer toda a linha. "O pessoal é ágil", diz o engenheiro Guo Lei, responsável pela instalação da nova linha. A novidade serão os três robôs, ainda em fase de fixação e que começam a ser testados neste mês de dezembro.

Outro pavilhão vai ser construído ao lado deste novo, desta vez para montar os "black cabs", pois a Geely fechou contrato de 50 milhões de libras (US$ 100 milhões) com a Manganese Bronze para montar os famosos táxis pretos de Londres. Em 2008, 52% deles serão "made in China".

A 1.200 quilômetros de Xangai e a hora e meia do centro de Pequim, a movimentação é parecida na Foton, fabricante de vans, ônibus, caminhões e camionetas. Os dirigentes da Foton, joint-venture de governo e grupos privados, têm cursos de pós-graduação e especialização no exterior. Seu diretor de pesquisa trabalhou 12 anos nos Estados Unidos, o diretor de desenho (na empresa há oito salas de design), 12 anos, e o diretor de exportação tem 8 anos de experiência em marketing internacional. Todo seu corpo gerencial é formado nas universidades de tecnologia chinesa. "Eu? Eu sou formado no instituto do Partido Comunista Chinês", diz Zhao Jingguang, numa bem-humorada ostentação de orgulho. Seu cartão de visita, em inglês, indica o cargo que ocupa: "Vice Party Secretary". Como acontece em todas as joint-ventures de que o governo participa, há um representante do partido na diretoria.

A China produz hoje 7 milhões de veículos e, segundo Zhao, produzirá 10 milhões em 2010 e, em 2015, " passará os Estados Unidos em produção e consumo".

Zhou Liang, diretor de exportação, dá algumas indicações da estratégia internacional de sua empresa, e que parece ser a mesma da Chery em sua incursão pelo Mercosul a partir do Uruguai. Começar cautelosamente, por mercados mais frágeis, periféricos. Arrumar sócios, comprar pequenas empresas, montar pelo sistema CKD, conquistar apoio dos governos locais.

A Foton fez isso neste ano num espectro amplo de clientes: Argélia, Chile, Paquistão, Vietnã, Filipinas, Colômbia, Ucrânia, Síria, México, Rússia. Foi a sua primeira etapa. Para 2007, Austrália. Em 2008, pretende enfrentar sul-coreanos e taiwaneses em seus próprios mercados, para depois, com mais experiência e conhecimento internacional da marca, penetrar na Europa Ocidental e no Japão. "Em 2010, estaremos nos Estados Unidos e no Canadá", anuncia Zhou. As estimativas de vendas, porém, são modestas. A Foton exportou 20 mil veículos neste ano, pretende exportar 50 mil em 2007 e 200 mil em 2010.

E o Brasil? É Zhao que responde: "Brasil e Argentina vão depender do nosso desempenho no restante da América Latina. Mas estamos atentos, buscamos sócios". E a qualidade? Zhao reconhece: "Há problemas, sim. Há algum tempo empresas absolutamente despreparadas tentaram o mercado exterior e não deram certo, eram de aventureiros. Mas agora estou seguro de que nossa indústria pode competir com qualquer outra em qualidade. E ganhar no preço".

Em verdade, a experiência do mercado interno tem ajudado a melhorar a qualidade dos carros chineses. Como acontece com a classe média em todo o mundo, o primeiro carro é sempre aquele que se pode comprar. Só depois o comprador passa a enumerar os defeitos para os amigos. Todas as montadoras estrangeiras se instalaram na China para exportação e tentar o mercado local. Deu certo, a General Motors é líder, seguida pela Volkswagen (o Santana tem presença maciça entre taxistas).

Mas os fabricantes chineses - Chery, Great Wall (alusão à Grande Muralha), Maple, segundo a revista "The Economist", "mostraram que podem desenvolver veículos por si sós" - estão crescendo há cinco anos. Estabeleceu-se entre os estrangeiros e nacionais uma disputa por preço. Agora, disputam também qualidade, tratam de fixar a marca, conquistar fidelidades e preparar o cliente para aceitar, como em todo o mundo, modelos mais caros.

Um instituto de pesquisa revelou que os carros mais baratos da China têm apresentado defeitos nos primeiros seis meses de uso, na opinião de 77% dos usuários entrevistados em 36 cidades. Pneus, ar-condicionado e freios, concentram as reclamações. "Os defeitos decorrem da constante redução de preço e do conseqüente sacrifício de qualidade, pois as montadoras pensaram mais em aumentar a produção e atender à demanda", diz Fan Tanshun, diretor da pesquisa. O levantamento mostra que os carros que custam mais de US$ 6 mil alcançaram ligeiro aumento no índice de satisfação.

Nos primeiros dez meses deste ano 5,8 milhões de carros foram vendidos, 45% mais que há três anos, no mesmo período. A indústria nacional ficou com a fatia de 27%. A Chery, que quer introduzir-se no Mercosul, é o segundo na lista das reclamações. Só perde para a Jetta.