Título: Compras urgentes na saúde
Autor: Sakkis, Ariadne; Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 03/01/2011, Política no DF, p. 20

Segundo a equipe da transição, só há remédios e material hospitalar para abastecer a rede pública até 20 de janeiro. Por isso, a secretaria poderá adquirir insumos sem licitação. Também está autorizada a requisição de médicos de outros órgãos

Depois de decretar situação de emergência na saúde do Distrito Federal, o governo tomará mais uma medida para abastecer a rede pública. A Secretaria de Saúde vai ganhar independência com relação à Central de Compras do GDF e poderá cuidar diretamente dos trâmites legais para a aquisição de medicamentos, material hospitalar e equipamentos. Dessa forma, os processos ganharão agilidade para que a secretaria consiga normalizar a crise no sistema público de saúde. Atualmente, existem 120 processos de compra prontos para serem licitados, mas até agora não foram para a frente. Desde o ano passado, problemas como a suspensão de cirurgias por falta de material são comuns, o que revolta os usuários do SUS.

Mesmo com deficiências frequentes no setor, essa é a primeira vez, desde a inauguração de Brasília, que o governo local decreta estado de emergência na saúde. Especialistas ouvidos pelo Correio elogiaram ontem a decisão do governador do DF, Agnelo Queiroz. Para eles, a iniciativa é essencial para resolver o caos na saúde da capital do país. O instrumento permite a convocação de funcionários públicos de outros setores a qualquer momento. A partir de agora, o GDF também ganha facilidades jurídicas para a compra de material e de remédios. A decretação de emergência deve durar 180 dias.

O novo secretário de Saúde, Rafael Aguiar Barbosa, explica que, com a decisão, a saúde se torna a grande prioridade do GDF ¿ como havia prometido Agnelo durante a campanha. ¿O decreto coloca toda a estrutura do DF, toda a administração pública, à disposição da saúde. Poderemos requisitar, por exemplo, servidores de outros órgãos e médicos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros para atuar nos hospitais, caso haja necessidade¿, justifica Barbosa.

Normalidade A decretação de situação de emergência está prevista na Constituição Federal e na Lei Orgânica do DF. Para o especialista em saúde pública e professor de medicina da Universidade Católica de Brasília Roberto Bittencourt, a medida é importante para manter a normalidade dos serviços prestados aos usuários da rede pública. Ele cita como exemplo a situação do Hospital Regional de Santa Maria. Para fazer um concurso público, seria necessário esperar pelo menos três meses. ¿Com a situação de emergência, o governo ganha poder de contratação imediata¿, explica Bittencourt. Na semana que vem, Agnelo deve assinar um documento que autoriza justamente isso: funcionários devem ser contratados por seis meses para garantir o atendimento até a realização de concursos e a nomeação dos aprovados.

Para o especialista, essa foi a melhor saída para tirar a saúde do DF do caos. ¿Essa é uma ação excepcional, mas não havia alternativa. O diagnóstico da situação caótica já havia sido feito, o governo precisa de capacidade de gerenciamento para resolver os problemas¿, afirma Roberto Bittencourt.

O GDF também terá mais facilidade para contratar leitos de UTI na rede privada e regularizar o fluxo de pagamento pelo aluguel dessas vagas. Um dos maiores benefícios da medida será a possibilidade de um abastecimento definitivo da rede pública. ¿A ideia é que o governo faça uma grande compra, que dure seis meses, por exemplo. Assim, as licitações podem seguir os ritos normais, sem a necessidade de sucessivos contratos emergenciais. Isso era feito sistematicamente, dando brechas para falcatruas¿, finaliza o especialista da Universidade Católica.

Transparência Para evitar suspeitas de favorecimento durante as compras sem licitação, a Secretaria de Saúde trabalhará em parceria com a recém-criada Secretaria de Transparência. A lógica adotada será a mesma de uma concorrência pública convencional, cujo vencedor é o que oferece a menor cotação de preço. ¿Não queremos favorecer nenhuma empresa. Sabemos que a compra emergencial não é o ideal, mas essa trata-se de uma exceção¿, diz o secretário Rafael Aguiar Barbosa.

De acordo com um levantamento realizado pela equipe de transição, só há medicamentos e material hospitalar suficientes para abastecer o sistema público de saúde até o próximo dia 20. Por isso, a nova gestão tem pressa para evitar o agravamento do caos na rede. O presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho, recebeu bem a medida e aponta a demora na aquisição de insumos como um dos principais entraves atuais. Mas, para ele, é preciso pensar mais adiante. ¿Precisamos ter uma política de médio e longo prazo. Os investimentos em ações básicas, assim como na renovação dos parques hospitalares, são fundamentais.¿

Rafael Aguiar Barbosa explica que o período de situação de emergência será fundamental para concluir o macro planejamento da saúde, que já vem sendo discutido há 15 dias. O GDF contará também com o apoio do Movimento Brasil Competitivo, organização que atua em conjunto com empresas e governos para aumentar a competitividade e a eficiência das instituições. ¿A parceria trabalhará os pilares da saúde, da segurança e da educação, mas a prioridade, agora, é a saúde¿, afirma o secretário.

Além das medidas emergenciais, o GDF pretende utilizar os cerca de R$ 100 milhões não aplicados pela gestão anterior para a construção de 20 unidades básicas de saúde, sedes dos postos de atenção à saúde familiar. A Secretaria de Saúde garante que os projetos serão licitados o mais rápido possível.

Intervenção O Hospital Regional de Santa Maria está sob intervenção do governo desde 10 de novembro último. Além das relações pouco cordiais entre a Secretaria de Saúde e a Real Sociedade Espanhola de Beneficência, entidade que administrava a unidade, a interferência foi motivada por uma auditoria feita pelo Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus), que apontou irregularidades no uso de dinheiro público por parte da Real Sociedade. Por mês, o hospital consumia R$ 11 milhões.

O que é Entenda o que significa a situação de emergência

* A máquina do Estado fica à disposição da Secretaria de Saúde. Funcionários de outros órgãos podem ser convocados para trabalhar na área em caráter extraordinário.

* A Central de Compras do Distrito Federal dá prioridade aos processos relacionados ao abastecimento da rede pública de saúde. Atualmente, são 120 processos prontos à espera de licitação.

* A compra de insumos e medicamentos pode ser feita emergencialmente, ou seja, dispensando a licitação. A medida deve servir para realizar grandes compras, dando tempo para a finalização de um planejamento mais detalhado de aquisição de estoques.

* O governo tem liberdade de fazer contratação emergencial para suprir deficiências de recursos humanos.

UTIs serão renegociadas

O governo petista quer tentar resolver logo o imbróglio das unidades de terapia intensiva (UTIs), herdado da gestão passada. O Sindicato Brasiliense de Hospitais (SBH), que representa muitos dos hospitais particulares que têm contrato com a Secretaria de Saúde, deve ser chamado para discutir o assunto. O titular da pasta de Saúde, Rafael Aguiar Barbosa, pretende saber o valor exato dos débitos, já que esse foi um dos principais pontos de discórdia entre a administração de Rogério Rosso e o setor privado. As empresas acusam o GDF de negligenciar o pagamento de mais de R$ 103 milhões referentes a internações de pacientes do SUS em leitos particulares.

Segundo o secretário, há contratos com vencimento em janeiro e os hospitais em questão serão chamados para tentar uma renovação. ¿Não podemos abrir mão dos leitos¿, disse. Discute-se também a assinatura de um convênio com o Hospital das Forças Armadas (HFA), que colocaria 10 leitos de UTI à disposição e também ofereceria cooperação em cirurgia ortopédica, uma das maiores deficiências do sistema.

A situação de emergência facilita a tomada de medidas para a abertura de leitos de UTI e também de leitos intermediários. ¿Hoje, 40% dos leitos da rede pública estão ocupados por pacientes crônicos, que não precisariam estar lá¿, avalia Barbosa.

UPAs Como parte da descentralização da saúde para descongestionar os hospitais, a equipe de Agnelo deve inaugurar pelo menos quatro Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Por enquanto, o governo ainda faz o levantamento do patrimônio adquirido e já tem em mãos uma alternativa à contratação temporária de recursos humanos. Por meio de seleção interna, profissionais da saúde que atuam na rede pública receberão gratificações para trabalhar em outros turnos nas UPAs.

MEMÓRIA Emergência nos estados Em junho deste ano, Alagoas decretou situação de emergência em decorrência das fortes chuvas e enchentes que atingiram a região. O risco de doenças transmissíveis motivou a iniciativa. Equipes de vigilância epidemiológica e atenção básica foram deslocadas para as cidades mais afetadas.

Em julho de 2009, o município de Uruguaiana (RS) anunciou situação de emergência como tentativa de conter o avanço da gripe suína na cidade, onde pelo menos três mortes associadas ao vírus H1N1 haviam sido confirmadas. A área mais crítica foi a da divisa com a Argentina.

Em março de 2009, o governo da Bahia instituiu situação de emergência em sete cidades do estado em que houve aumento considerável nos números de casos de dengue. Itabuna, Ilhéus, Ipiaú, Irecê, Jacobina, Jequié e Porto Seguro permaneceram em estado de alerta por até seis meses, enquanto os órgãos públicos de saúde se mobilizavam para conter o avanço do mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti.