Título: Cursos técnicos de nível médio seguem economia e mudam de perfil
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2006, Brasil, p. A6

As vagas no ensino profissionalizante de nível médio cresceram 27% em todo o país de 2003 a 2005, segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mas os cursos, antes fortes na área industrial, estão cada vez mais voltados para as áreas de serviços e gestão.

Essa mudança de perfil foi acelerada na última década, segundo Getúlio Marques Ferreira, coordenador-geral de orçamento, planejamento e gestão da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), ligada ao Ministério da Educação.

O alto crescimento das vagas nos cursos técnicos de saúde - 35,3% de 2003 a 2005 - ilustra esse processo. Área que mais cresceu em todo o país, saúde é hoje a de maior peso no total das matrículas dos técnicos, com 31,5%. Segundo o coordenador da Setec, a demanda é identificada junto com o Ministério da Saúde e Estados e muitos dos cursos são abertos em parceria com os governos estaduais pela rede de escolas do Sistema Único de Saúde (SUS).

A parceria com o SUS foi a saída encontrada pelo governo do Acre para acelerar a introdução dos cursos técnicos no Estado, que antes contava apenas com uma rede privada pequena, representada principalmente pelo Sistema S, e ainda hoje não tem escolas federais.

Segundo Arailton Lima, diretor presidente do Instituto Dom Moacyr Gretti - entidade que coordena os centros de ensino técnico no Estado -, a rede estadual de escolas técnicas começou a ser montada em 2001. "A diretriz básica era a de garantir oferta de cursos condizentes com o desenvolvimento regional", diz. Um levantamento de demanda detectou algumas áreas com falta de formação especializada, entre elas as de manejos florestais, agroecologia e serviços. Para a criação das escolas, concentradas em cinco centros, o Estado buscou financiamento federal.

Devido à parceria com o SUS, os cursos de saúde foram os primeiros a funcionar. Os outros tiveram de esperar suas unidades e laboratórios ficarem prontos. Dessa forma, em 2004, o Acre só tinha cursos na área de saúde, que, seguindo a tendência nacional, cresceram 42,8% de 2004 a 2005. No total, as matrículas na educação profissional cresceram 96,6% de 2004 para 2005 no Estado com a criação de cursos nas áreas de agropecuária, gestão, indústria, telecomunicações e turismo e hospitalidade.

Hoje os centros de ensino técnico no Acre têm capacidade de atender 10 mil pessoas por ano. Segundo Lima, a criação dos cursos está muito relacionada às políticas de desenvolvimento regional. "A Secretaria de Turismo, por exemplo, demandou a criação de cursos de guia e operador de agências para atender às políticas de expansão do serviço na região", diz o diretor-presidente.

Ferreira, do Setec, diz que a construção de uma unidade federal de ensino técnico no Acre consta no plano do governo de expansão da rede. Esse projeto foi montado em 2003, mas esbarrou numa antiga lei, de 1998, que impedia a União de criar escolas técnicas sem a participação de outros entes da federação. A medida era condizente com a política adotada na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo a qual o ensino técnico deveria ser expandido pelos Estados e municípios, com ajuda indireta da União.

Em novembro do ano passado, o governo derrubou essa lei e, neste ano, o plano começou a ser executado. Nele estão previstas a criação 42 escolas e a federalização de outras 18 que estavam nas mãos da iniciativa privada e Estados. A meta é criar cem escolas nos próximos quatro anos, com um total de 74 mil vagas.

O levantamento do Inep aponta que há 747.892 vagas hoje no país, entre públicas e privadas. De 2003 a 2005, o número de estabelecimentos aumentou 18%, mantendo a mesma proporção por dependências administrativas (71,3% é rede particular, 20% estadual, 4,5% federal, e 4,2% municipal). Porém, em relação às matrículas, a participação da iniciativa privada cresceu de 55,1% para 57,2%, enquanto a parcela das federais caiu de 13,5% para 11,9%, das estaduais, de 28% para 27,6%, e a das municipais manteve-se em 3,3%.

O coordenador do Setec considera significativo o aumento das vagas privadas e diz que é interesse da gestão investir na expansão da rede pública. "Não queremos disputar com as particulares, que têm o seu espaço, mas é importante haver escolas públicas para darmos mais oportunidades", diz Ferreira.

No Mato Grosso, as vagas cresceram 126% de 2004 para 2005. Acompanhando o desenvolvimento da economia local, diminuíram as vagas nos curso em agropecuária (com menos 300 vagas, houve queda de 32,93%), enquanto cresceram as matrículas em construção civil (criação de 224 vagas) e indústria (alta de 95,32%, passando de 27 para 577 vagas no período).

A política do governo mato-grossense tem sido de expandir a sua rede de ensino técnico no interior, pois na capital há um Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet). Em 2004, foi criado o Centro Estadual de Educação Profissional e Tecnológica (Ceprotec), mantido pelo Fundo Estadual de Educação Profissional, que recebe de 0,5% a 1% do orçamento do Estado. "O Mato Grosso está crescendo e há uma demanda por mão-de-obra qualificada que precisa ser atendida", diz Luiz Fernando Caltard, presidente do Ceprotec.

É feita uma pesquisa de demanda nas regiões próximas às unidades para montar os planos de cursos, que são enviados às empresas locais a fim de verificar se a grade curricular atende ao que é exigido no mercado. "O nosso desafio é deixar de ser um Estado só exportador de commodities", diz Caltard.

Segundo ele, o Ceprotec tem parcerias com empresas, que expõem a sua necessidade de mão-de-obra e se comprometem a empregar 100% das pessoas que concluem o curso moldado para atendê-la. Na cidade de Rondonópolis, por exemplo, vai ser instalada uma fábrica da Sadia para abate de aves, e o Ceprotec está pensando em um curso para atender às exigências das vagas que serão abertas. "Qualificando a população não é preciso importar mão-de-obra de outros locais", diz Caltard.

A participação da iniciativa privada na identificação de demanda também é importante em São Paulo. Segundo Almério Melquíades Araújo, coordenado do Centro Paula Souza - entidade que administra as Escolas Técnicas Estaduais (ETEs) do Estado -, o movimento natural para a criação de cursos é as associações e grandes empresas procurarem por eles. "É claro que a escola também detecta localmente certas demandas, mas o mais comum é sermos procurados, não podemos ficar inventando cursos", explica.

No Estado, o movimento tem sido de diversificação dos cursos nas diferentes áreas e saúde e indústria continuam sendo os setores mais representativos, seguidos de gestão. "Há cinco anos tínhamos 45 diferentes habilitações, hoje temos 72", informa Araujo.

Um exemplo dessa diversificação são os cursos de análise e produção de açúcar e álcool em cidade como Araçatuba, Presidente Prudente e Ribeirão Preto em parceria com usinas, que demandaram mão-de-obra qualificada e cederam espaço às aulas práticas.

Também há casos de parcerias com órgãos públicos, como para o curso de reabilitação de dependentes químicos, uma demanda da Secretaria de Saúde do Estado, e para a habilitação de serviços judiciários, um pedido do Tribunal de Justiça. "A primeira turma começa em fevereiro do ano que vem, com alunos que já trabalham no Tribunal há mais de três anos", diz o coordenador do Centro.

Em São Paulo, as matrículas em indústria cresceram 9% de 2004 a 2005 e os cursos de saúde não apresentaram crescimento (queda de 3%) como no resto do país. "Hoje, os cursos administrativos têm uma procura maior, mas a demanda cresce sobre uma base ainda pequena", diz Araújo. No total, as matrículas no ensino técnico de nível médio no Estado caíram 1,3%.