Título: Analistas criticam estratégia de elevar PPI e descontá-lo do superávit primário
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2006, Brasil, p. A2

A intenção do governo de aumentar os recursos para o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) de 0,2% para 0,5% do PIB em 2007 e descontá-los da meta de superávit primário causa mal estar entre os especialistas em contas públicas. Para o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea), a estratégia na prática vai contribuir para mais um aumento dos gastos correntes.

Outros analistas acrescentam que o governo pode enfrentar o ônus de anunciar uma medida que significa diminuir o superávit primário de 4,25% para 3,75% do PIB sem, no entanto, obter o bônus de efetivar os investimentos. A questão é que há dúvidas quanto à capacidade de se gastar R$ 11 bilhões (o equivalente a 0,5% do PIB) em obras de infra-estrutura.

O PPI é o mecanismo que permite que não se computem determinados investimentos como despesas quando se calcula o superávit primário. Até hoje, porém, ele não foi utilizado para reduzir a meta.

Para Giambiagi, aumentos das inversões seriam bem-vindos desde que fossem financiadas por meio de cortes de gastos correntes (pessoal, aposentadorias, custeio da máquina pública, programas como o Bolsa Família) como proporção do PIB. A questão é que não parece ser essa a estratégia cogitada pelo presidente Lula.

Em artigo que consta do Boletim de Conjuntura do Ipea divulgado ontem, Giambiagi diz que, se levada a cabo, a idéia vai servir "para viabilizar, na prática, um aumento da relação entre o gasto corrente e o PIB". Segundo ele, é um sinal ruim para a política fiscal aumentar os gastos correntes no primeiro ano do novo mandato - justamente o período em que, em tese, há mais capital político para a austeridade nas contas públicas.

Giambiagi nota que, neste ano, o investimento do governo federal deve equivaler a 0,6% do PIB, dos quais 0,2 ponto percentual corresponde a recursos do PPI - que não serão abatidos da meta. Para 2007, ele projeta um investimento de 0,9% do PIB, considerando que o PPI suba para 0,5% do PIB.

Com isso, as inversões do governo federal cresceriam 0,3 ponto, de 0,6% para 0,9% do PIB. Esse aumento consumiria metade da queda do superávit primário prevista por ele, de 4,3% a 4,4% do PIB em 2006 para 4,25% do PIB em 2007. "Haveria então espaço para a despesa corrente aumentar 0,2 ponto do PIB", afirma ele. Nas contas de Giambiagi, o 0,1 do PIB restante se refere à queda de receita, em função das desonerações tributárias que devem ser concedidas no ano que vem.

"É claro que é melhor ter investimentos de 0,9% do PIB do que de 0,6%, mas desde que financiado por queda do gasto corrente."

O economista José Márcio Camargo, da Tendências Consultoria Integrada, também não vê com bons olhos a estratégia do governo. Para ele, é importante manter o superávit primário elevado para manter a solvência das contas públicas. Camargo diz que a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, hoje na casa de 50%, está em queda, mas ainda é "considerada elevada para os padrões aceitos pelo mercado" - muitos emergentes têm o indicador inferior a 30%. Um esforço fiscal maior reduziria a dívida mais rapidamente, abrindo espaço para quedas mais fortes dos juros. Por isso, Camargo considera arriscada a redução do superávit primário.

Usar os recursos do PPI e descontá-los do cálculo da meta fiscal também desagrada aos economistas do Credit Suisse. Segundo cálculos do banco, com um superávit primário de 4,25% do PIB e crescimento na casa de 3,5%, a relação dívida/PIB atingiria 40,3% em 2010, um nível mais confortável.

Analistas do Credit Suisse levantam ainda outro ponto: é possível que o governo não consiga gastar 0,5% do PIB em projetos do PPI. Neste ano, de janeiro a outubro, as despesas com esses projetos totalizaram R$ 2 bilhões, embora os recursos disponíveis estejam na casa de R$ 5 bilhões. Nesse cenário, aumentá-los para a casa de R$ 11 bilhões em 2007 parece improvável. O governo teria o custo de anunciar uma medida que implica redução do esforço fiscal, mas não conseguiria o benefício de realizar os investimentos.