Título: País precisa crescer 3,7% ao ano para se manter entre BRICs
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2006, Brasil, p. A4

Três anos após criar a sigla BRICs para designar as quatro economias emergentes que estarão entre as maiores do mundo em 2050, a Goldman Sachs volta ao tema para investigar por que o Brasil ficou para trás em relação a seus mais bem-sucedidos companheiros de sigla - China, Índia e Rússia.

O novo estudo é do diretor de pesquisa de países emergentes da Goldman Sachs, Paulo Leme, que se pergunta se o Brasil continua a merecer um lugar entre os BRICs. A resposta é sim. Para tanto, basta crescer 3,7% ao ano, em vez dos 2,7% de 2003 a 2006.

Para Leme, o Brasil saiu-se pior do que o esperado porque, nos últimos anos, pagou os custos de um importante ajuste macroeconômico, que baixou a inflação, quitou a dívida externa e acumulou reservas. "Graças a esse ajuste, as condições macroeconômicas são agora mais favoráveis do que em décadas", afirma. "A estabilidade deverá permitir que o crescimento real convirja gradualmente para o potencial de 3,5%, que é consistente com o crescimento de 3,7% previsto (originalmente no trabalho sobre os BRICs)."

É verdade que, no documento de três anos atrás, os autores - Dominic Wilson e Roopa Purushothaman - tinham uma expectativa um tanto limitada para o crescimento potencial brasileiro (o da Rússia era estimado em 3,5%; o da China, em 4,9%; India, 6,8%), mas isso não se devia ao ceticismo sobre a capacidade de a economia resolver seus problemas.

O Brasil já apresentava, na época, uma taxa de crescimento abaixo dos 3,7% ao ano projetados pelo trabalho, mas mesmo assim os economistas acreditavam no potencial brasileiro. "É preciso mais para destravar o crescimento econômico no Brasil do que nos demais BRICs", afirmavam os economistas. "Nossas premissas sobre o crescimento potencial do Brasil, embora já abaixo dos demais países, talvez se mostrem muito otimistas sem profundas reformas estruturais." O estudo trabalhava com o argumento de que os quatro BRICs tinham vantagens em relação aos países desenvolvidos para crescer aceleradamente.

O crescimento de um país é dado pelo estoque de capital investido, pela produtividade da economia e pelo tamanho e qualidade da força de trabalho. Economias menos desenvolvidas têm menos capital investido, por isso novos projetos têm maior retorno do que em países ricos. Além disso, países menos desenvolvidos podem importar tecnologias já disponíveis em países mais ricos. "Conforme os países vão se desenvolvendo, essas forças perdem o vigor e a taxa de crescimento das economias se aproxima dos índices dos países desenvolvidos", afirmam Wilson e Purushothaman.

Agora, Leme revisita o estudo dos BRICs para concluir que, adotando as políticas corretas, o Brasil pode expandir o seu PIB potencial além de 3,7% - ele cita 5% como uma fronteira possível, lembrando que esse percentual está no imaginário brasileiro, porque reflete a média da expansão da economia brasileira de 1900 para cá. O receituário para ampliar o crescimento potencial inclui o aprofundamento do ajuste fiscal, maior abertura da economia, melhora da qualidade da educação e fortalecimento das instituições do país.

"A administração Lula e o Congresso não serão ambiciosos o suficiente para implementar uma agenda politicamente tão difícil", opina. "Embora o Brasil tenha um potencial de 5% ou mais, é improvável que isso ocorra nos próximos quatro anos."

A Goldman Sachs criou um indicador para medir o potencial de crescimento das economias, o GES (Growth Environment Scores). Por esse termômetro, o Brasil avançou sete posições no ranking, chegando à nota 4,15 em 2006. Apesar do avanço, continua atrás de China (4,9) e Rússia (4,35).

O Brasil ganhou posições em quesitos como combate à inflação e fortalecimento das contas externas. Mas fica atrás em áreas como poupança e investimento, abertura da economia, qualidade da educação e reformas institucionais.

No caso da inflação, a média dos índices exibidos pelo país desde 2003 (7,8%) estava acima de todos os demais BRICs, com exceção da Rússia (11,7%). Neste ano, porém, a posição relativa do país melhora muito, com uma inflação de 3%. "O sucesso do regime de metas de inflação brasileiro deverá reduzir gradualmente as taxas nominais de juros e desenvolver o mercado de crédito, o que, ao longo do tempo, deverá estimular o crescimento."

Outro ponto em que o Brasil registrou avanços desde 2003 é nas contas externas. A dívida externa caiu um terço, para 18,1% do PIB, e o BC multiplicou as reservas internacionais em quase sete vezes, para US$ 83 bilhões.

O Brasil só não se igualou aos demais BRICs no campo macroeconômico, porque, segundo Leme, os avanços no campo fiscal seriam "desapontadores". Embora o superávit primário tenha sido elevado a 4,25% do PIB, o Brasil ainda exibe a maior dívida pública bruta em relação ao PIB entre os quatro BRICs - 74,9% em 2005, ante 67% na Rússia, 17,9% na China e 12,8% na Índia. A carga tributária do Brasil, em 37,8% do PIB em 2005, também segue maior que a da Rússia (30,9%), China (17,3%) e Índia (9,7%).

Os dados mostram que o Brasil fica atrás dos três demais BRICs também em itens como poupança, abertura da economia e média de anos estudados no ensino médio (antigo segundo grau).

Leme dedica uma seção inteira do relatório para discutir medidas que hoje estão em estudo pelo governo para aumentar o crescimento da economia. Ele conclui que "as intenções políticas do governo são modestas comparadas com a extensa agenda necessária para aumentar o crescimento para 5%.".

O economista diz que, pelo que foi anunciado, o governo Lula vai manter o superávit de 4,25% do PIB para baixar a dívida líquida a 40% do PIB em dez anos - o conceito de dívida líquida é mais usado no Brasil do que o de dívida bruta, e atualmente corresponde a 49,5% do PIB. O governo anuncia ainda reformas fiscais simplificadas, como redução gradual de despesas correntes de 0,1% ao ano e a prorrogação da CPMF e da DRU.

O investimento público, segundo Leme, seria elevado por meio de suave compressão das despesas correntes, renúncias fiscais, uso de parcerias público-privadas e queda dos juros nominais. "Isso significa que, nos próximos quatro anos, o crescimento real do PIB provavelmente irá oscilar entre 3% e 4% por ano."

Na agenda defendida por Leme, está o superávit primário de 5,25% do PIB nos próximos dez anos, reforma da Previdência e aumento da DRU de 20% para 35%. Para ele, essas políticas poderiam derrubar os juros nominais, permitiriam a redução da carga tributária e possibilitariam que o país perseguisse metas mais ambiciosas de inflação - 3%, em vez de 4,5%.