Título: Um surto corporativista do CNJ e do CNMP
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2006, Opinião, p. A12

A exemplo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que propôs jetons para si próprio (que terão o poder de fazer com que a remuneração de seus membros ultrapassem o teto constitucional de R$ 24.500) em projeto de lei enviado ao Congresso e decidiu que desembargadores e juízes estaduais que acumulam funções podem receber mais do que os R$ 22.111 definidos como subteto, partiu do órgão que deveria ser responsável pelo controle do Ministério Público uma nova resolução "fura-teto" que favorece promotores e procuradores estaduais. Uma decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) elevou o subteto estadual ao teto nacional, cuja referência é o salário recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão é de flagrante inconstitucionalidade e o próprio procurador-geral da República, Antonio Ferreira de Souza, promete recorrer ao STF para derrubá-la.

As decisões dos dois órgãos, cuja função seria a de controlar a Justiça e o MP, em favor dos seus, é duplamente preocupante. Primeiro, porque no engatinhar de suas existências os Conselhos já incorporam, explicitam e se expõem publicamente na defesa corporativa de suas instituições. Segundo, porque as decisões simplesmente foram tomadas ao arrepio do texto constitucional, que define, no seu artigo 37, inciso XI, que o subsídio é "limitado a noventa inteiros e vinte e cinco décimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicado este limite aos membros do Ministério Público, aos procuradores e aos defensores públicos". Por alguma razão de difícil entendimento, o Ministério Público e a Justiça, através de seus órgãos de controle, colocam-se acima dos rigores da lei.

Outro dado que causa apreensão é o fato de o CNJ ser presidido por ninguém menos do que a ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo, o tribunal a quem cabe julgar a constitucionalidade das decisões dos Conselhos. Por último, questiona-se a autoridade do CNJ, após essas decisões, para fazer valer a recomendação aos Tribunais de Justiça dos Estados de reduzir os vencimentos que superem o subteto de R$ 22.125.

O presidente Lula vetou recentemente o projeto de lei do CNMP, aprovado pelo Congresso, que propunha o pagamento de jetons a seus integrantes - que poderiam elevar suas remunerações acima do teto do salário dos ministros do STF. O projeto do CNJ ainda não foi votado. Mas o Executivo ainda terá pela frente a votação de outros projetos em tramitação no Legislativo, que elevariam os salários dos ministros do STF e do procurador-geral da República para R$ 24,5 mil - o que aumentaria o teto salarial e produziria aumentos em cascata.

Os dois Conselhos alegam acúmulo de trabalho para defender remunerações acima do subteto para a Justiça e o Ministério Público estaduais. Essa é uma postura que, além de não condizer com o nível de remuneração média dos brasileiros, revela um certo acomodamento no diagnóstico da realidade da Justiça e do Ministério Público. A "Folha de S.Paulo" publicou ontem uma matéria sobre pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça e coordenada pela cientista política Maria Tereza Sadek, que aponta a disparidade salarial como o maior problema do Ministério Público. As remunerações variam de R$ 9,8 mil para R$ 19,9 mil, no caso de um promotor de Justiça em início de carreira. Em São Paulo, um promotor iniciante recebe R$ 10,8 mil por mês, enquanto em Tocantins ganha R$ 18 mil. Em São Paulo, a relação é de um promotor para 26,3 mil pessoas; em Tocantins, um para cada 11,4 mil habitantes. A relação promotor por habitante mede a carga de trabalho em cada Estado da Federação.

O acúmulo de trabalho, portanto, está longe de ser um determinante para o aumento de um promotor acima do subteto constitucional, e não é o subteto que define essa distorção salarial. A Lei Orgânica do Ministério Público define que as remunerações são fixadas pelos MPs dos Estados, de acordo com a parcela do orçamento estadual que detém.

Dá mais trabalho atuar sobre as verdadeiras distorções de carreira do que apenas aumentar a remuneração dos mais graduados. Mas é hora de os Conselhos trilharem o caminho mais difícil, sob pena de perderem a credibilidade na sua função maior, que é a de fiscalizar os poderes aos quais pertencem.