Título: Previdência fará governo segurar o mínimo
Autor: Safatle, Claudia e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2006, Brasil, p. A3

Com uma política permanente de correção do salário mínimo, baseada na variação do IPCA mais o PIB per capita, o governo espera dar um novo horizonte para as contas da Previdência Social e, portanto, para a política fiscal de longo prazo. Com essa fórmula de reajuste, será possível restringir, segundo estimativa da área técnica, o aumento do déficit anual da Previdência Social em 0,1% do PIB ao ano, o que é bem inferior ao ritmo de crescimento dos últimos anos.

Como a meta do governo é estabilizar o déficit da previdência como proporção do PIB nos próximos anos, as medidas de gestão e combate a fraudes e as mudanças de regras para concessão de benefícios seriam suficientes para dar conta do recado.

Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com os ministros da área econômica e da Previdência para discutir uma regra mais duradoura para o reajuste do salário mínimo. Essa regra seria uma das quatro pernas do programa fiscal de longo prazo a ser implementado a partir de 2007 - as outras três são a adoção de uma política de reajuste salarial do funcionalismo dos três Poderes, a regulamentação da emenda nº 29 dos gastos da saúde e o controle do déficit da previdência. Na área previdenciária, há ainda a regulamentação do fundo de pensão dos servidores públicos, medida que colocará em prática a reforma constitucional aprovada em 2003.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o encontro de ontem não foi conclusivo porque o presidente recomendou aos ministros que debatam a nova política de reajuste do mínimo com as centrais sindicais. Aplicando-se a regra proposta pela equipe econômica - variação do IPCA mais PIB per capita -, o mínimo iria no ano que vem para R$ 367 (um reajuste nominal de 4,8% em relação ao valor atual), explicou Mantega.

"É o correto, o adequado, tendo em vista que nos outros anos houve aumento considerável (do valor do mínimo)", argumentou o ministro em rápida entrevista após a reunião no Planalto. Na proposta orçamentária para 2007, o mínimo foi fixado em R$ 375, lembrou o ministro, porque as expectativas de PIB e IPCA, quando o projeto foi elaborado, eram maiores. As centrais sindicais reivindicam um mínimo de R$ 420. O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, ponderou que esse é um valor para negociar, mas os trabalhadores exigem algo acima dos R$ 375.

A equipe econômica está preocupada com o impacto do reajuste do mínimo sobre as contas da previdência. Cada real de aumento eleva o déficit do INSS em R$ 190 milhões ao ano, informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Se o mínimo for para R$ 367, o déficit em 12 meses crescerá R$ 3,2 bilhões; se for para R$ 375, o impacto será de R$ 4,7 bilhões. Mantega disse ontem que está ciente, no entanto, de que agora ficou politicamente difícil voltar atrás. "Mas sustento que o certo é cumprir a regra assinada", disse.

O programa fiscal de longo prazo é parte estratégica da política econômica dos próximos quatro anos e o presidente da República deve anunciar suas linhas básicas antes do Natal. A expectativa é que Lula divulgue esse plano ainda na próxima semana, deixando os atos legais para serem elaborados e enviados ao Congresso em fevereiro, quando começa a nova legislatura.

A regra permanente para a correção do salário mínimo será enviada ao Congresso por meio de projeto de lei. Em projeto de lei complementar, o governo pretende estabelecer uma política de reajuste dos salários do Executivo, Legislativo e Judiciário. A sugestão da área econômica é que os vencimentos sejam corrigidos pela variação do IPCA mais ganho real de 1,5% ao ano, que representa o crescimento vegetativo da folha de pagamentos do setor público.

O governo prepara também uma proposta de regulamentação do direito de greve do funcionalismo público. No projeto em debate, um dos aspectos importantes é o desconto dos dias parados para que o administrador público tenha algum poder de barganha frente aos grevistas.

Com o conjunto dessas medidas, os gastos correntes não diminuirão, mas o governo estará colocando freios para a sua expansão nos próximos anos. Não está mais em discussão a idéia de se colocar em lei uma meta anual de redução da despesa corrente, como chegou a ser sugerido pelo Ministério do Planejamento, que pretendia estabelecer um redutor anual na proporção de 0,1% a 0,2% do PIB do gasto primário. Essa proposta, porém, foi vencida pela idéia de que é melhor controlar as duas grandes despesas do orçamento da União - pessoal e Previdência -, deixando a redução do ritmo de crescimento da despesa corrente como um resultado dessas medidas.

O que o governo pretende, com essas restrições, é abrir maior espaço para os gastos com investimentos em projetos de infra-estrutura, necessários para induzir o setor privado a também aumentar suas apostas, investindo mais e aumentando a oferta de bens e serviços na economia. Com desonerações de impostos para investimentos e fluência nos projetos de infra-estrutura, os economistas oficiais argumentam que a economia poderá crescer a taxas mais robustas, de 5% ao ano, como quer Lula.

A questão dos projetos-piloto de investimento (PPIs) ainda está sob intensa discussão. A idéia original era aumentar a possibilidade desses investimentos, que podem não ser contabilizados nas contas públicas como despesa, afrouxando, assim, a meta de superávit primário de 4,25% do PIB. Segundo a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que está no Congresso, as PPIs poderiam atingir 0,2% do PIB em 2007. O governo gostaria de elevar esse percentual para até 0,5% do PIB.

Há, no entanto, um constrangimento para atingir esse montante, que é a carência de bons projetos de investimentos com taxas de retorno garantidas. Neste ano, a previsão era gastar R$ 3 bilhões com os PPIs. O dispêndio efetivo, porém, deverá ser de R$ 1,6 bilhão, sobrando R$ 1,4 bilhão para 2007. A dotação de 2007 é de R$ 4,6 bilhões, que adicionados aos recursos que sobram deste ano, totalizam R$ 6 bilhões. Na prática, esta deverá ser a quantia a ser abatida do esforço fiscal em 2007.

O Ministério do Planejamento desistiu da proposta de aumentar gradualmente a Desvinculação de Receitas da União (DRU) dos atuais 20% para até 30% para desengessar o orçamento. Considerou-se que o governo já enfrentará uma oposição política importante no Congresso na discussão da regulamentação da emenda 29. Nessa área, o plano é sugerir que despesa com saneamento básico seja considerada como gasto de saúde.