Título: INSS quer dividir conta com acidentes
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2006, Brasil, p. A5

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) decidiu utilizar de forma intensa e organizada um dispositivo que está à sua disposição desde 1991 e que havia sido "esquecido" por muito tempo. O órgão começou a intensificar a proposição de ações judiciais pedindo que as empresas arquem com 50% dos valores pagos com benefícios e pensões relacionadas a acidentes do trabalho.

Levantamento do escritório Machado Associados revela que as iniciativas não são pontuais. O órgão já distribuiu processos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Amazonas. Das 21 ações que chegaram aos tribunais regionais federais com decisão de mérito, 14 são favoráveis ao INSS.

Segundo o Ministério da Previdência Social, o Amazonas é o Estado que mais possui ações dessa natureza, com 18 processos distribuídos. Ali, segundo o INSS, o órgão teve quatro vitórias em primeira instância, com recursos das empresas em dois casos.

Na Bahia, a primeira ação regressiva foi proposta em julho deste ano contra a Petrobras. O processo solicita que a companhia indenize o INSS pelos benefícios pagos a três empregados que morreram numa explosão em 2002. Segundo a Previdência, o dispêndio com as pensões pagas aos dependentes das vítimas foi de R$ 279,5 mil até julho. Procurada, a Petrobras não se manifestou porque o assunto ainda está sendo discutido na Justiça.

Um dos casos mais recentes deu origem, em outubro, a uma decisão de primeira instância favorável ao INSS. A ação judicial foi movida contra as construtoras Bautec Construções e Incorporações e Emobrac Construções e Incorporações. No processo, o INSS solicitou que as empresas arquem com 50% das despesas com benefícios a dois trabalhadores que sofreram queda numa obra. Além de obrigar as empresas a indenizar o INSS, a sentença, dada pela Justiça catarinense, obriga as construtoras a provisionar valores para o cumprimento dos pagamentos.

Em Minas Gerais, uma das decisões mais recentes do tribunal local se deu em processo movido contra a Mineração Sul Ita, num caso em que o Judiciário considerou que a suposta semi-embriaguez do funcionário não contribuiu para o acidente de trabalho nem retirou totalmente a responsabilidade da empresa sobre o acidente.

O uso mais intenso das ações regressivas, que pedem o ressarcimento dos valores pagos, não acontece por acaso. A iniciativa está entre as resoluções de uma conferência sobre saúde do trabalhador na qual participaram 1,5 mil delegados do INSS. A delegacia do órgão na Bahia chegou a colocar em discussão a proposição de ações até mesmo em casos de doenças ocupacionais, como Lesões por Esforço Repetitivo (LER).

Para os advogados trabalhistas que defendem as empresas, o cenário é preocupante. "Os processos distribuídos mostram que as ações judiciais não se tratam de iniciativas pontuais, mas fazem parte de um movimento organizado", diz o advogado Fábio Medeiros, do Machado Associados.

A base para as ações judiciais é o artigo 120 da Lei nº 8.213 que, apesar de existir desde 1991, não vinha sendo aplicado pela Previdência. O dispositivo permite que o INSS tente recuperar valores em casos de negligência da empresa em relação às normas de segurança e higiene do trabalho.

"Salta aos olhos, porém, como muitas vezes a culpa do empregado não chega, segundo as decisões judiciais, a retirar totalmente a responsabilidade do empregador em indenizar o INSS", diz Medeiros. "São procedimentos que, na prática, transferem para o setor privado uma responsabilidade que pertence à previdência pública", analisa Karla Bernardo, responsável pela área legal trabalhista da Pactum Consultoria Tributária.

Antes, há alguns anos, lembra o advogado Marcel Cordeiro, do Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados, não se ouvia falar de ação regressiva do INSS. "Hoje o assunto está em várias discussões e principalmente nas conversas com técnicos do INSS." Para Cordeiro, o atual texto do Código Civil, modificado em 2002, pode fazer com que as repercussões para as empresas sejam ainda maiores. "O texto do novo Código Civil possibilita a interpretação de que há uma responsabilidade objetiva do empregador."

Na prática, isso significa que, mesmo na ausência de culpa ou negligência do empregador, a empresa será condenada a ressarcir o INSS. "Cresce cada vez mais o entendimento do INSS de que o acidente de trabalho é um risco da atividade da empresa e que o empregador deve assumir integralmente as conseqüências", diz Karla. Para ela, as ações regressivas são uma forma do governo reduzir o déficit previdenciário.

Em nota, o Ministério da Previdência diz que as ações tem um conteúdo "mais social do que patrimonial", com "caráter educativo". O órgão diz que no Amazonas, Estado com o maior número de regressivas, já houve redução do número de acidentes do trabalho. Os processos começaram a ser distribuídos em 2003 e segundo o INSS, os acidentes fatais caíram em 81% em Manaus, na área de construção civil, de 2004 a 2005.