Título: Desde o início, um barril de pólvora
Autor: Moreira, Ivana
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2006, Especial, p. A16

Dia 13 de novembro de 2006: 100 dias sem violência. O cartaz afixado na sede da Cooperativa Mista dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) diz muito sobre o clima de tensão que marca, até hoje, a história do garimpo de ouro. No passado, os desentendimentos entre garimpeiros na disputa pelo metal eram estopim para brigas de proporções imprevisíveis. Atualmente, o ócio e o alcoolismo - além da disputa pelo controle da cooperativa - são combustível para a violência.

Desde o princípio, Serra Pelada foi um verdadeiro barril de pólvora. Em janeiro de 1980, quando correu pelo país a notícia da descoberta de ouro como nunca se vira antes naquela serra ao sul do Pará, caminhões de paus-de-arara começaram a chegar de todo canto.

O crescimento dos garimpeiros era tão incontrolável que obrigou o presidente João Batista Figueiredo a aprovar um modelo de controle, enviando como interventor o então "major Curió", um agente do Serviço Nacional de Informações (SNI) que atuara no combate à guerrilha do Araguaia.

Com a intervenção, as áreas chamadas de barrancos, e todos os garimpeiros, foram registrados pela Receita Federal e o garimpo cercado pela Polícia Federal. O ouro encontrado tinha de ser vendido à Caixa Econômica Federal. Na época da intervenção, eram 30 mil os garimpeiros trabalhando na cava.

Mulheres não podiam ficar. Para entrar ou sair do que era conhecido como "área militar" do garimpo, era preciso passar por revista. Mais de 300 mortes ocorreram no garimpo, a maior parte em desmoronamentos de terra. Mas algumas em disputas violentas, apesar do controle de armas imposto pelo interventor.

A previsão à época era de que em apenas dois anos o garimpo manual de ouro estaria exaurido. Por isso, o compromisso do governo era entregar à Docegeo, subsidiária da Vale do Rio Doce, o garimpo para exploração mecanizada até fins de 1982.

O governo recuou diante da pressão dos garimpeiros. Em 1982, o interventor major Curió foi eleito deputado federal. Empossado, foi ele quem passou a liderar a resistência. "Garimpo para os garimpeiros" era o lema.

Em 1984, Figueiredo desapropriou os 100 hectares da cava do garimpo e indenizou a Docegeo. Em 1992, Fernando Collor fechou o garimpo e devolveu a área à Vale. A decisão de Collor foi definitivamente revogada em 2002, com aprovação de uma lei no Senado, devolvendo os direitos minerários para os garimpeiros. (IM)