Título: Discussão sobre preço do gás para usina gera conflito com Petrobras
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2006, Empresas, p. B6

A decisão da Petrobras de renegociar o fornecimento de gás para a Usina Siderúrgica do Ceará, renomeada como Ceará Steel, que enfrenta forte pressão política da bancada cearense no Congresso sob liderança do ex-ministro e deputado Ciro Gomes (PSB-CE), parece ter razões financeiras plausíveis. A área técnica da estatal estima que a Petrobras terá prejuízos de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão se oferecer gás pelo preço estabelecido nos protocolos de intenções firmados com a siderúrgica ao longo dos últimos 10 anos.

A perda potencial do contrato, segundo alegam, é maior que o investimento previsto no projeto, de US$ 800 milhões. Os sócios da usina são a coreana Dongkuk, a italiana Danieli e a Companhia Vale do Rio Doce, cujo presidente, Roger Agnelli, tem assento no conselho de administração da Petrobras.

Na semana passada, em meio às negociações do governo para montar a base de apoio do presidente Lula no Congresso em seu segundo mandato, Ciro Gomes, que é irmão do governador eleito do Ceará, Cid Gomes, defendeu que o presidente pressione a Petrobras a assinar o contrato de suprimento do gás aos preços vigentes na época dos protocolos.

O protocolo original de suprimento de gás ao Ceará, de 1996, previa 1,2 milhão de metros cúbicos de gás ao dia para a Companhia de Gás do Estado do Ceará (Cegás) durante 20 anos, ao preço de US$ 2,44 por milhão de BTU, em valores da época. O insumo se destinava a suprir uma siderúrgica que seria construída no estado. Anos depois, o mesmo gás foi cedido pelo governo local à MPX para construir a TermoCeará, que posteriormente foi vendida pelo empresário Eike Batista à Petrobras.

O acordo também previa um "desconto" de US$ 1,19 por milhão de BTU, em troca de contrapartidas do governo do Ceará, que permitiria à Petrobras deduzir essa parcela, até o montante de US$ 19,5 milhões por ano, dos impostos devidos ao Estado. Esse valor seria reajustado, anualmente, com base na variação do Producer Price Index (PPI) - All Commodities. Assim, a siderúrgica pagaria apenas US$ 1,25 por milhão de BTU. Para efeito de comparação, hoje o gás da Bolívia chega em São Paulo por cerca de US$ 6.

Hoje, simulações de preço que consideram o custo da colocação de gás na região mostram preço variando entre US$ 5 e US$ 7 por milhão de BTU. Desde 2003, quando foi assinado o quarto aditivo ao protocolo de intenções original - que nunca foi elevado à condição de contrato firme - o suprimento de gás natural no Brasil se tornou crítico.

A Petrobras teve que dar lastro para usinas termelétricas (que até hoje não conseguem todo o suprimento que precisam para gerar energia); não tem toda a reserva de gás que se previa inicialmente na Bacia de Santos, e enfrenta restrições à expansão imediata da importação da Bolívia, dado o novo cenário econômico e regulatório no país vizinho. Além disso, defronta-se com o crescimento exponencial do consumo interno e o aumento dos custos de construção de gasodutos (incluídos aumento do preço de aço e serviços).

O Ceará pode receber gás via terminal de GNL ou via Gasene e Nordestão II, gasodutos que ainda não saíram da fase de projeto dadas as restrições de suprimento. Essas restrições aumentam as dúvidas quanto à sua construção, considerando o elevado custo de materiais e serviços. Mas, mesmo que os dois gasodutos que já tivessem sido concluídos, a estatal aponta que o preço da commodity, somado ao do transporte, seria mais alto do que o do GNL importado.

Entretanto, a siderúrgica tem visões opostas sobre sua viabilidade por parte de dois membros do conselho de administração da Petrobras. Roger Agnelli, presidente da Vale, interessado direto no empreendimento - a mineradora é sócia da Ceará Steel com 10% -, é um defensor da construção da usina, citada por ele como uma das alavancas para o crescimento da exportação brasileira de um produto de maior valor agregado (placas de aço) ao invés de pelotas. Agnelli representa o governo no conselho da estatal. Para a usina, a Vale tem garantido contrato expressivo de pelotas de ferro.

O presidente do Grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter, que representa os acionistas com ações preferenciais, avaliou a usina como de difícil viabilidade. "Esse projeto tem alguns aspectos interessantes em termos de dinâmica regional, mas ele depende demais de fatores externos, porque não tem minério na região, não tem gás, e não tem consumo. Então, você depende demais de fatores externos, a viabilidade fica mais difícil", declarou Gerdau em outubro de 2005 em entrevista ao jornal cearense "O Povo". Procurado pelo Valor, o empresário não se encontrava disponível para se manifestar sobre o assunto, segundo informou sua assessoria de imprensa.

Além de discutir preço adequado para o gás, a Petrobras negocia com os sócios da Ceará Steel uma fórmula de reajuste anual para o insumo tomando como base os preços do óleo combustível no mercado internacional, do óleo no Brasil ou do GNL.

Ontem pela manhã, a Assembléia Legislativa do Ceará tentou, sem sucesso, reunir em audiência pública a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, e a diretoria da Ceará Steel para discutir os rumos do projeto. Nenhum dos convidados apareceu nem enviou representantes. A discussão se limitou a membros da Assembléia, secretários do governo local e alguns deputados federais, além do vice-governador, Francisco Maia Junior. Convidada, a bancada do Ceará no Senado também se ausentou. A discussão, segundo participantes da audiência, resumiu-se a questões já debatidas, como a validade do acordo de fornecimento de gás à usina. (Colaborou, Patrícia Nakamura, de São Paulo)