Título: A anistia fiscal paulista e os contribuintes
Autor: Fiorentino, Marcelo Fróes Del
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo do dia 30 de setembro de 2006 a Lei nº 12.399, de 29 de setembro, que dispõe sobre a dispensa do recolhimento de multas e de juros - em percentuais que variam de 90% a 70% no que concerne à redução das multas, dependendo do mês no qual o correspondente débito tributário for recolhido, bem como na redução do valor dos juros em 50% - quando da liquidação de débitos fiscais decorrentes de fatos geradores relacionados ao ICMS ocorridos até 31 de dezembro de 2005, desde que o valor atualizado do respectivo débito seja integralmente recolhido em moeda corrente e em parcela única.

Já alerto preliminarmente que não pretendo aqui apontar qualquer tipo de vício formal a eventualmente macular a precitada lei paulista (e a correspondente Resolução Conjunta nº 3, de 2006, do secretário da Fazenda e procurador geral do Estado de São Paulo a regulamentar tal lei), até porque entendo que inexiste qualquer vício de forma. Neste sentido, julgo que houve estrita observância do aspecto legislativo/formal - pelo Estado de São Paulo - para fins de instituição das condições gerais da anistia tributária (a corroborar a presente validade formal da Lei nº 12.399, vide a análise conjunta da alínea "g" do inciso XII do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal em conjunto com o parágrafo 5º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e o artigo 10 da Lei Complementar nº 24, de 1975).

O ponto central a ser enfatizado reside na dissonância entre a já dantes mencionada Lei nº 12.399 e o respectivo fundamento jurídico de validade material - o Convênio ICMS nº 50, de 7 de julho de 2006, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Dissonância esta que conflui para ao menos dois vícios substanciais com importantes conseqüências para os contribuintes optantes pela anistia fiscal em questão. Em outras palavras, faz-se essencial a demonstração cabal da desconformidade de enunciados prescritivos derivados da Lei nº 12.399 quando em comparação com a correspondente norma fundante - o Convênio nº 50 do Confaz - e os efeitos que a demonstração de tal desconformidade podem acarretar para os contribuintes do ICMS optantes pela ora anistia tributária.

-------------------------------------------------------------------------------- A ausência, na lei, de uma redução proporcional do valor dos honorários advocatícios enseja a adoção da medida judicial --------------------------------------------------------------------------------

O primeiro vício substancial/material a colimar a Lei nº 12.399 consiste na não recepção, por tal lei, do estatuído no parágrafo 2º da cláusula primeira do Convênio ICMS nº 50 (convênio este taxativamente recepcionado pelo Estado de São Paulo, a teor do que prescrevem o Convênio ICMS nº 73, de 2006, do Confaz, e o Ato Declaratório nº 10/06), o qual estabelece que "os créditos tributários de ICMS decorrentes exclusivamente de penalidades pecuniárias por descumprimento de obrigações acessórias, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31 de dezembro de 2005, poderão ser pagos com redução de 70% do seu valor atualizado, se integralmente recolhidos até 30 de setembro de 2006".

A aparente morosidade (a qual, conforme já noticiado nos órgãos de imprensa, foi a principal causa da não recepção expressa do precitado parágrafo 2º da cláusula primeira do Convênio ICMS nº 50 pela Lei nº 12.399) do poderes Executivo e Legislativo paulista não pode, sob nenhuma hipótese, constituir-se em argumento jurídico apto a afastar a plena aplicabilidade da anistia tributária de tal parágrafo 2º em benefício dos sujeitos passivos tributários - conforme o artigo 122 do Código Tributário Nacional (CTN) - paulistas. Em razão de tal ilegalidade, julgo que assiste razão a tais sujeitos passivos tributários o ajuizamento de medida judicial - preferencialmente uma ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária em conjunto com uma ação de repetição do indébito - visando a manutenção, em última instância, do princípio constitucional da isonomia em matéria tributária previsto no inciso II do artigo 150 da Constituição Federal.

O segundo vício substancial/material a atingir a Lei nº 12.399 deriva da não observância - pelo inciso II do artigo 3º de tal lei, que diz que "a concessão dos benefícios mencionados nos artigos 1º e 2º não dispensa o pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 5% do valor do débito fiscal" - do previsto no parágrafo 3º da cláusula primeira do Convênio ICMS nº 50, que estabelece que "em relação aos débitos quitados com o benefício previsto nesta cláusula, os honorários advocatícios decorrentes da cobrança da dívida ativa tributária serão reduzidos na mesma proporção aplicada às multas por infrações e acréscimos moratórios". A ausência, na Lei nº 12.399, de uma redução proporcional do valor dos honorários advocatícios sob enfoque enseja a adoção da medida judicial acima aludida, principalmente pelo fato do estatuído nas alíneas "a" e "d" do inciso II do artigo 181 do Código Tributário Nacional não amparar tal ausência legal.

Marcelo Fróes Del Fiorentino é advogado e sócio do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados

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