Título: Exportadores aprendem a driblar o real valorizado
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Brasil, p. A3

Aumentar preços ajudou, mas em muitos casos não foi suficiente. Para compensar o câmbio valorizado, empresas de setores cujos produtos enfrentam forte concorrência chinesa no mercado externo lançaram mão de outras estratégias para compensar o efeito do real forte sobre suas vendas no exterior. Teka e Hering encontraram uma saída na oferta de produtos diferenciados e de maior valor agregado, enquanto a Móveis Carraro concentrou suas vendas em mercados da América Latina, que por serem menores, acabam menos vantajosos quando é preciso pagar o frete desde a China.

De janeiro a outubro deste ano, as cotações das vendas externas do país subiram 11,9% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo números da Fundação de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Cálculos do economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, mostram que, se for considerado o efeito da elevação dos preços sobre a rentabilidade das exportações, o câmbio real médio de R$ 2,21 registrado nesse período gera o mesmo retorno de uma taxa de R$ 2,48 com os preços de exportação nos níveis de 2005.

Bassoli nota ainda que, para um mesmo volume exportado, o valor em dólares obtido sobe proporcionalmente aos preços. Com isso, uma taxa de R$ 2,21 com as cotações de 2006 deve produzir um valor exportado semelhante ao que seria obtido com um câmbio de R$ 2,86 a preços do ano passado. Em resumo, se a empresa conseguiu aumento razoável de preços, o dólar na casa de R$ 2,20 não é um grande obstáculo às exportações.

A elevação de preços, porém, não é homogênea e muitas empresas enfrentam sérias dificuldades para continuar a exportar num mundo em que a concorrência chinesa é cada vez mais feroz. Enquanto Teka, Móveis Carrarro e Hering conseguiram reajustar parte de seus contratos e em percentuais que variaram de 3% a um máximo (e raro) 15%, companhias como a Vale do Rio Doce acumulam quase 100% de alta nos últimos dois anos.

Bassoli explica que a Vale do Rio Doce foi beneficiada pela alta de seus produtos no mercado internacional. A Vale conseguiu neste ano um aumento de 19% do minério de ferro, que se seguiu ao reajuste espetacular de 71,5% obtido em 2005.

O aumento das cotações do minério de ferro, o principal produto de exportação da Vale, ajuda a explicar o forte crescimento das vendas externas da empresa neste ano. De janeiro a setembro, as exportações totais da empresa foram de US$ 7,237 bilhões, 44,5% a mais do que nos nove primeiros meses de 2005. Também contribuiu para esse crescimento a expansão do volume exportado: no caso do minério de ferro e pelotas, as vendas cresceram 11,5% no período, puxadas em grande parte pela demanda da China.

Mas compensar a valorização do câmbio com aumento de preços no mercado internacional não é uma realidade para todas as empresas. A Móveis Carraro, por exemplo, conseguiu reajustar suas cotações em cerca de 15% nos contratos de exportação para a América Latina e África, mas não teve o mesmo sucesso nas vendas para os Estados Unidos. O presidente da empresa, Ademar de Gasperi, conta que, em 2005, a empresa tinha exportado US$ 10 milhões para lá. Com o dólar barato, ele ficou sem condições de competir no mercado americano. O resultado? Nenhum centavo vendido para os EUA neste ano.

Segundo de Gasperi, ele não conseguiu repassar aumentos de preços para compensar o câmbio valorizado e acabou perdendo o mercado para empresas de países como a China e o Vietnã. No ano passado, móveis da empresa estavam na capa dos catálogos da Sears e da Target, diz ele, referindo-se a duas redes de varejo americanas. "Hoje, eles nem querem saber que eu existo."

Na América Latina, a Carraro ainda mantém a competitividade e consegue repassar algum aumento de preços. A proximidade dos países compradores ajuda, assim como o fato de que alguns desses mercados são muito pequenos para os chineses, avalia ele. Depois de exportar US$ 17 milhões em 2005, a empresa deve fechar o ano com vendas externas de US$ 9 milhões.

Para conviver com o câmbio valorizado, a saída de muitas companhias é agregar valor a seus produtos, produzindo mercadorias diferenciadas. É o caso da Teka, do setor têxtil, que conseguiu um pequeno aumento de preços neste ano. Segundo o diretor de relações com investidores da empresa, Marcello Stewers, as cotações subiram em média 3% por quilo exportado. De janeiro a outubro deste ano, as exportações atingiram US$ 46,2 milhões, o equivalente a R$ 100,8 milhões. No mesmo período de 2005, as vendas externas totalizaram US$ 39,9 milhões (R$ 97,4 milhões).

O aumento de preços não foi suficiente para compensar a valorização do câmbio, mas a Teka conseguiu aumentar o volume exportado em 16,3% no período, o que explica porque o valor das exportações convertidas em reais supera o de 2005.

A Hering, outra empresa do setor têxtil, também tem conseguido driblar em alguma medida o impacto negativo do câmbio valorizado. A companhia deve fechar o ano com exportações de US$ 31 milhões, ligeiramente acima dos US$ 30 milhões registrados em 2005. O diretor-superintendente de mercados internacionais da Hering, Ulrich Kuhn, diz que conseguiu aumentar em cerca de 15% o preço em dólar por produto, mas ressalta que não se trata das mesmas mercadorias vendidas no ano passado.

Para conseguir esse reajuste, a empresa investiu em produtos diferenciados, aperfeiçoamento da logística e em parcerias diretas com canais de varejo no exterior. "Um produto idêntico ao que eu vendia no ano passado sairia 15% a 20% mais barato neste ano. A concorrência chinesa provocou uma deflação brutal", diz Kuhn, devido à maior oferta de mercadorias. "A questão é que a diferenciação é algo fácil de falar e difícil de fazer."

Kuhn diz que o câmbio mais adequado para o setor seria algo na casa de R$ 2,50. Ele afirma, porém, que não espera uma alta do dólar dessa magnitude no ano que vem, trabalhando com uma cotação não muito diferente da que vigora no momento.

Bassoli tampouco aposta em desvalorização significativa do câmbio. Ele acaba de revisar sua previsão para o dólar no fim de 2007 de R$ 2,30 para R$ 2,20, ainda que acredite que o cenário externo será menos favorável no ano que vem. Bassoli aposta em alguma desaceleração da economia global e acomodação dos preços das commodities, mas isso deve levar a uma redução moderada do superávit comercial, dos US$ 45 bilhões projetados para este ano para US$ 38 bilhões em 2007.