Título: Pfizer deve enfrentar turbulência no mercado
Autor: Vieira, André
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Empresas, p. A6

A Pfizer está prestes a viver dias bem atribulados. A decisão da maior farmacêutica do mundo de suspender na noite de sábado de forma inesperada as pesquisas clínicas de um remédio para o tratamento do colesterol deve impactar fortemente hoje as ações da companhia na Bolsa de Valores de Nova York.

A expectativa do estrago nas ações da Pfizer poderá ser comparável ao episódio do Vioxx, da Merck, segundo analistas. Quando retirou seu antiinflamatório do mercado em setembro de 2004, a Merck viu o valor das ações perder US$ 26 bilhões em apenas um dia. Na última sexta-feira, as ações da Pfizer valiam US$ 200,9 bilhões.

No sábado, a farmacêutica interrompeu todas as pesquisas clínicas do torcetrapib, sua grande aposta para substituição do Lipitor, o remédio mais vendido no mundo, cuja patente vence em 2010 nos Estados Unidos.

A decisão veio depois que um conselho independente, na Austrália, alertou a Pfizer sobre um elevado número de pacientes mortos ao utilizar a droga combinada com o Lipitor.

A notícia é devastadora para os planos da Pfizer, cujas vendas estão estagnadas e vários dos seus produtos-chaves perderão a proteção de patentes nos próximos anos. Como conseqüência da suspensão das pesquisas clínicas, a companhia decidiu "acelerar" os planos de redução de custos e de compra de novos produtos por meio de aquisições, disse o principal executivo da Pfizer, Jeffrey Kindler, em comunicado.

A Pfizer investiu mais de US$ 800 milhões no desenvolvimento do torcetrapib. A intenção era colocar no mercado americano as versões do medicamento sozinho e combinado com o Lipitor no segundo semestre de 2007. Analistas tinham previsto que droga poderia gerar US$ 20 bilhões em vendas por ano.

O Lipitor, que vende US$ 13 bilhões por ano, representa metade do lucro da Pfizer. No entanto, os analistas esperavam um substituto à altura, na medida em que o vencimento da patente em 2010 abrirá caminho para os genéricos, mais baratos. Sem o torcetrapib, a empresa terá de encontrar um outro caminho.

As vendas da Pfizer superam os US$ 50 bilhões, e a companhia investe US$ 7 bilhões por ano para encontrar novas drogas capazes de impulsionar seu portfólio. Mas sucesso tem sido abaixo do esperado. Para reduzir custos, a empresa tinha anunciado na terça-feira a decisão de cortar 20% de sua força de vendas nos Estados Unidos. A farmacêutica já tinha feito o mesmo tempos atrás.

Kindler disse, em comunicado, que a Pfizer decidiu terminar o estudo, que envolveu 15 mil pessoas, por conta do "interesse na segurança dos pacientes". O medicamento estava no último dos três estágios das regras da pesquisa clínica exigidas pelo Food and Drug Administration (FDA), fase anterior ao lançamento do produto no mercado.

O FDA apoiou a decisão da empresa em suspender as pesquisas. De acordo com o alerta, 82 pacientes que tomaram a droga combinada com o Lipitor morreram, comparados com 51 pessoas que receberam apenas o Lipitor. A diferença - 72% - é considerada estatisticamente alta.

A droga era vista como uma inovação de mercado. Ao contrário do Lipitor, uma estatina capaz de reduzir o chamado mal colesterol, ou LDL, a torcetrapib procurava elevar de modo inédito o HDL, o bom colesterol, reduzindo os riscos cardíacos dos pacientes. No entanto, médicos já havia alertado para o aumento da pressão dos pacientes que tomaram a droga da Pfizer. Outras farmacêuticas possuem em seu "pipeline" drogas para aumentar o bom colesterol.

Dois dias antes do anúncio da suspensão dos estudos, o chefe do laboratório de pesquisas estava otimista em um encontro com analistas: "Nós acreditamos que este é o mais importante novo desenvolvimento de tratamento cardiovascular em anos", disse o presidente da área de pesquisas da Pfizer, John LaMattina. A frase foi relembrada insistentemente no fim de semana, o que a colocará no compêndio de declarações infelizes.

No Brasil, a Pfizer, que tem o remédio para impotência Viagra como seu carro-chefe, achavam que a droga agora suspensa era uma boa forma de recuperar a liderança, perdida pela concorrência com o Cialis (a droga contra disfunção erétil da Eli Lilly) e a retirada do antiinflamatório Bextra. A Pfizer, que fatura cerca de R$ 1,3 bilhão no país, perdeu o posto de número 1 no mercado brasileiro e deve chegar ao fim deste ano em quarto ou quinto lugar.

A valorização do real frente ao dólar tem ajudado a Pfizer, assim como outras companhias estrangeiras, que importam boa parte dos princípios ativos dos medicamentos mais caros. Mesmo assim, a Pfizer fez um aperto. "Reestruturou" sua equipe de marketing, reduzindo seu quadro em pelo menos 12 executivos. (Com agências internacionais)