Título: Teotônio Vilela promete deixar a motocicleta de lado para redimir Alagoas
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Política, p. A8

O governador eleito de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), define a Lei de Responsabilidade Fiscal como "a melhor coisa que esse Congresso já fez", para logo acrescentar que "os desiguais não podem ser tratados como iguais". É desse modo que o tucano defende a "flexibilização" da lei como forma de ajudar os Estados menores, entre eles o seu, a sair de um círculo vicioso de pobreza e atraso. Eleito para governar o Estado mais pobre e mais endividado do país, ele quer que os eleitos afinem-se nessa questão antes da posse.

No Senado há 20 anos, quando foi o mais jovem eleito para a Casa, Teotônio Vilela Filho é também o primeiro usineiro eleito para governar Alagoas. Considera que a "elite usineira" alagoana é a principal responsável pelo "quadro dramático" do Estado em que 46% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. O cargo o deixará no campo oposto dos donos de usina do Estado, que questionam no STF a cobrança do ICMS sobre o açúcar exportado. Aos 56 anos, o senador se diz disposto a largar o maior dos seus prazeres, a motocicleta, para se dedicar "24 horas por dia" ao governo. "Não fica bem ficar andando de moto com tanto problema para resolver".

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: A renegociação das dívidas vai unir os governadores?

Teotônio Vilela Filho: Vamos fazer uma reunião com os governadores eleitos para que todos estejam afinados na posse. Já conversei com a Yeda (Crusius, eleita pelo PSDB no Rio Grande do Sul), para tirarmos um ponto em comum. Precisamos unificar o discurso e a ação para depois levarmos as demandas ao presidente. No PSDB, nós precisamos de apoio do Serra, do Aécio. Não dá para tratar os desiguais de forma igual. Se for feita uma flexibilização, é importante que os Estados mais fortes compreendam e que não demandem a mesma coisa. Ano passado chegamos a comprometer 22% da receita com o pagamento da dívida.

Valor: Como o senhor espera atrair investimentos?

Teotônio: O problema é que a falta de gestão fez com que o Estado não se preparasse para a chegada das indústrias modernas. Nem só das modernas: o Estado compra até apagador de quadro negro de São Paulo. Meu pai (o falecido senador alagoano Teotônio Vilela. Estamos planejando um pólo cloro-álcool-químico que deve mudar esse quadro. Temos uma imensa reserva de sal gema. Temos uma legislação muito boa de incentivo fiscal. Precisamos é colocá-la em prática. Estamos fazendo trabalho no Senado, para rever a capacidade de endividamento dos Estados para que invistam em setores estruturantes como o saneamento.

Valor: O entrave do saneamento, então é o endividamento?

Teotônio: No caso do Alagoas, sim. O princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal é muito correto: você está devendo demais, vai tomar mais dinheiro emprestado para quê? No caso de Alagoas, com todo ajuste que se faça, não vamos conseguir poupança para retomar situação de crescimento na economia. É preciso trazer recursos de fora. Então, onde for comprovado isso, defendemos uma elasticidade. Acho que a LRF é a coisa mais importante que já se produziu naquele Congresso. Mas nada é perfeito. No caso de Alagoas e de outros Estados, estamos de mãos atadas, rumo a um poço sem fundo. Esses recursos mais baratos que existem, os Estados mais necessitados não podem tomar.

Valor: E por que não atrair investimento privado no saneamento?

Teotônio : O investimento privado pode se interessar por Maceió. E é importante que o faça porque é a capital mais favelizada do país, mas e o resto do Estado. Como é que você leva o investido privado a ir para o Sertão? Qual o retorno que ele vai ter?

Valor: Alagoas tem uma grande projeção na política nacional, mas não há uma correspondência na economia ou nos indicadores sociais. Como explicar esse 'divórcio'?

Teotônio: A questão é a gestão local. Alagoas há 30 anos não tem um governo com planejamento estratégico. As coisas são feitas na base da improvisação. Faltou confiança do empresariado no setor público e as pessoas começam a sonegar. A gestão depende do líder local, do governador. O Estado entrou num círculo vicioso que é necessário romper. Não investe porque não tem poupança, não poupa porque a máquina é muito pesada. É o maior gasto público do pais, paradoxalmente. E também não recebe recursos do governo federal porque está inadimplente ou porque não tem projetos. Não toma dinheiro emprestado de instituições como BID, Bird, BNDES porque está com a capacidade de endividamento exaurida.

Valor: Alagoas é assim por conta do problema de gestão ou de elite?

Teotônio: As elites alagoanas têm uma parcela muito grande. Eu me incluo em tudo: sou empresário, sou usineiro, sou político, filho de político. Mas estou disposto a tudo para tirar Alagoas desse atoleiro. Vou até deixar a motocicleta, o maior prazer que tenho na vida, para me dedicar ao governo. Já comecei a me preparar parando de beber na campanha.

Valor: O senhor passou a campanha sem beber?

Valor : E foi difícil para o eleitor aceitar. Chegavam para mim e diziam 'Toma uma aqui Teo'. Agradecia e dizia que tinha parado de beber. 'Mas não tá bebendo por que?'. Dizia que estava doente, tomando remédio. Criou-se uma confusão: 'Doente de que?'. Aí preferi dizer que tinha feito uma promessa para Padre Cícero e aí as pessoas aceitavam.

Valor: E o senhor acha que os usineiros do Estado estão preparados para o sacrifício?

Teotônio : Fiz uma reunião com eles na campanha e disse: Vocês assistem ao noticiário sobre a Palestina, nas suas poltronas, sem se darem conta de que em Alagoas a violência mata mais gente por ano do que a guerra no Oriente Médio. Se não nos mexermos a violência vai chegar dentro de nossas casas. O setor avançou muito na produtividade, mas a mentalidade ainda deixa muito a desejar.

Valor: A que o senhor atribui a eleição do ex-presidente Fernando Collor ao Senado?

Teotônio :Tenho impressão de que o alagoano quis fazer um reparo ao Collor por causa de tantos escândalos nesse governo Lula. O eleitor acha que ele pagou um preço demasiado pelo que fez, precisa de nova oportunidade. A campanha do Collor durou 28 dias feito um furacão. Quando Ronaldo Lessa começou a bater já tinha acabado a eleição.

Valor: Qual é a sua relação com o presidente Lula e que avaliação o senhor faz do primeiro mandato?

Valor: Temos uma relação cordial. Fomos constituintes juntos e ambos frequentávamos o gabinete do Vladimir Palmeira (candidato derrotado do PT ao governo do Rio) que tinha uma garrafão de cachaça do qual erámos fregueses (risos). Não posso falar mal porque vou precisar muito dele. Ele teve a virtude e a sabedoria de dar uma atenção para essa população miserável. Isso deu um certo amparo a essa população. Mas fez um trabalho incompleto, porque não traçou nenhuma política pública para geração de emprego. Espero que ele dê um passo agora, fortalecendo a agricultura no campo e na política de empregos.

Valor: E como o senhor viu essa votação acachapante do presidente no Nordeste?

Valor : Nas capitais, o presidente não teve essas vitórias todas não. Foi no interior. Em Alagoas, por exemplo, ele perdeu em Maceió. A vitória do Lula se deve ao Bolsa Família e ao preço da cesta básica, que nunca esteve tão acessível, o consumo aumentou. Esses dois pontos são fundamentais. Estabilidade da moeda e o Bolsa Família.

Valor: Em relação à elite, o senhor considera que o PSDB se concentrou demais nesse segmento e se distanciou da base social?

Teotônio: O partido tem a credibilidade em seus quadros políticos. O que falta ao PSDB hoje é nitidez de uma proposta para o Brasil. Não ficou claro isso na campanha do Alckmin, um projeto que sensibilizasse. O Lula também não tinha, mas o Bolsa Família salvou.

Valor: O PSDB está em crise existencial, em depressão?

Valor :Em Alagoas não. Mas perder eleição dá ressaca, é pior do que cachaça ruim. O partido está se refazendo, mas ganhamos São Paulo, Minas.

Valor: Em uma candidatura à Presidência, seria possível no PSDB fazer primeiro o programa para depois escolher o candidato?

Teotônio: O presidente é tão forte no presidencialismo... Ainda mais em um país como o Brasil, em que o líder tem uma marca fundamental. Então eu digo que não. Porque muita coisa vai depender do jeito de ser do candidato. Um 'presidente Serra' vai ser muito diferente de um 'presidente Aécio'. O Arthur Virgílio disse que os dois estão afinados. Eu também acho. Eles não contam para ninguém, mas eu acho que os dois estão acertados. Seria uma chapa muito boa: Serra presidente e Aécio vice. Sem reeleição, Aécio sucede Serra.

Valor: O senhor acha que Aécio pode disputar contra Serra pelo PMDB em 2010?

Teotônio: Não acredito. Convivi com Serra e com Aécio. Os dois são tucanos. Eles vão se entender.