Título: Lula investe contra maldição do 2º mandato
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Política, p. A9

Quem de longa data compartilha da convivência do presidente da República assegura: Lula mudou, está "no limite da auto-estima" e a todo instante repete que vai "inverter essa lógica de que o segundo mandato é necessariamente pior que o primeiro". Na economia, voltou a ser o Lula de 2002, cujo discurso sobre desenvolvimento e justiça social prevalecia sobre os assuntos fiscais. É um novo Lula no exercício da autoridade e na gerência dos negócios políticos, dos quais sempre quis distância. Virou de fato o articulador político do governo e atualmente tenta manter o PT sobre o seu próprio controle.

Reeleito com mais de dois terços dos votos válidos, Lula sente-se "fortão" - para usar a expressão cunhada pelo marqueteiro João Santana em uma entrevista à "Folha de S. Paulo" - e no inteiro controle da situação. Prova disso ocorreu há duas semanas, quando recebeu da equipe econômica propostas para o segundo mandato. Mandou refazer as propostas, que não lhe agradaram. O presidente reclamou, com amigos, que os economistas só lhe levam "propostas convencionais", quando o que ele quer mesmo, para o segundo mandato, são "medidas criativas e ousadas" e que beneficiem as camadas mais pobres da população.

Lula, segundo outro amigo, quer "discutir o Brasil estrategicamente, os próximos 20, 30 anos". Nesse sentido, deve reformular o "conselhão". O ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) confirma: "É uma decisão política do governo". O número de conselheiros deve ser reduzido de mais de uma centena para algo em torno de 60 e 70. Segundo Genro, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no seu formato original, "já cumpriu uma agenda" e deve agora "entrar em uma nova fase".

Nessa nova etapa, "o conselhão" teria um papel "mais consultivo em relação a ações concretas do governo, propor alternativas e programas para a retomada do desenvolvimento". Deve "interferir também no diálogo para a reforma política", diz Genro. Lula, segundo seus interlocutores, pensa em "um pacto com as forças produtivas do país". Na avaliação que um deputado ouviu no Planalto, o presidente é mais cáustico e acha que o atual "conselhão" serviu mais para que grupos "tivessem um canal para pedir coisas que apresentar um projeto para o país". Nesse "projeto de Nação" Lula quer envolver também as universidades, especialmente no que se refere ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Lula, segundo interlocutores, reconhece que a imagem do primeiro mandato foi atingida fortemente pelos escândalos como o do mensalão (compra de votos na Câmara) e o da compra do suposto dossiê contra tucanos. Mas considera que outras coisas emperraram seu governo. Ultimamente, não pára de se queixar do excesso de burocracia, a que atribui um dos entraves para o desenvolvimento. Não será surpresa, para fontes ouvidas pelo Valor, se for criado mais um ministério, o da Desburocratização, mas o mais provável é que seja designado alguém, ministro ou não, para cuidar dessa questão.

As saídas dos ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) talvez marquem o começo da mudança detectada em Lula por seus amigos. Incomodavam-no o fato de Dirceu aparecer como uma espécie de "primeiro-ministro" e o discurso de que Palocci era o pilar da economia. Perdeu de vez a paciência com o episódio dos "aloprados", que poderia ameaçar a reeleição, e resolveu interferir diretamente no PT, algo inédito. Ele sempre foi o solista do partido, que sempre teve um regente por trás, como era José Dirceu. Agora resolveu ser regente e solista ao mesmo tempo e promete manter o partido sob rédea curta.

Para um presidente que já denunciara a existência de "300 picaretas" no Congresso e tinha dificuldade quase física para lidar com os políticos, surpreendeu a desenvoltura de Lula no trato da coalizão com o PMDB. O "gosto" pela articulação teria se consolidado nas reuniões do conselho político da campanha da reeleição. Foi a partir das reuniões do conselho, por exemplo, que ele passou a reconhecer o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) como um parlamentar de grande "inteligência política" e admirar uma qualidade no pemedebista que já teve de renunciar ao mandato de senador para evitar um processo de cassação: "Ele é muito leal", disse a um petista.

Congresso e governo reconhecem que Lula saiu muito forte da eleição, mas a maioria dos ministros fez ouvidos de mercador a um sinal determinado pelo próprio presidente: o secretário-particular Gilberto Carvalho e o porta-voz André Singer colocaram seus cargos à disposição para que os outros ministros fizessem o mesmo. Como cada um fingiu que não era com ele, Lula disse a um auxiliar: "Eu entendo que na montagem do governo todos os cargos ficam à disposição". Segundo um ministro, Lula tem "o ministério na cabeça", mas não tem pressa nenhuma em anunciá-lo. Sua intenção seria largar "uns quatro nomes" até o final de dezembro, alguns outros em janeiro e finalizar em fevereiro, após as eleições para as presidência do Senado e da Câmara. "Ele acha que está governando, não tem pressa".

Nove em cada dez economistas acham que o presidente deve fazer novas reformas na Previdência social. Alguns pretendem voltar a tocar no assunto com ele, antes da posse. Correm o risco de ouvir a resposta que ouviu um deputado, numa conversa recente: que todas as reformas na área da Previdência caíram "nas costas do trabalhadores", que perderam direitos. "Vamos primeiro arrochar a inadimplência", disse Lula. É com idéias como essas, trocadas com aliados no Planalto, que Lula pretende acabar com a maldição de que os segundos mandatos são em geral piores que o primeiro.