Título: Do petróleo à informação
Autor: Raman, Karuna
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Opinião, p. A13

O xeque Yamani, ex-ministro do Petróleo da Arábia Saudita e um dos arquitetos fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), disse certa vez: "A idade da pedra chegou ao fim não por falta de pedras, e a era do petróleo terminará, mas não por falta de petróleo". Os humanos deixaram de usar pedras porque o bronze e o ferro são materiais superiores. Mas será que realmente deixaremos de consumir petróleo quando outras tecnologias energéticas também proporcionarem benefícios mais vantajosos?

A ameaça de esgotamento dos escassos recursos energéticos mundiais mantém-se muito presente na percepção pública desde os choque do petróleo da década de 70. E nosso temor também não se limita ao petróleo. Por exemplo, o clássico best-sellers "Limites ao Crescimento", publicado em 1972, previa que o mundo teria esgotado seu ouro em 1981, a prata e o mercúrio em 1985, e o zinco em 1990. Agora temos a vantagem da visão retrospectiva, porém mesmo hoje a maioria das discussões sobre o tema são baseadas na lógica de "Limites ao Crescimento".

Além disso, a questão não se resume ao fato de não termos esgotado nossos recursos naturais. O economista americano Julian Simon supostamente lançou um desafio em 1980 a um grupo de ambientalistas, dizendo que se fosse o caso de a escassez ser mensurada em termos de encarecimento das commodities, eles deveriam investir em ações de companhias envolvidas no processamento de qualquer minério. Esses ambientalistas aplicaram seu dinheiro em cromo, cobre, níquel, estanho e tungstênio e decidiram-se por um prazo de 10 anos. Em setembro de 1990, o preço de cada um desses metais tinha caído: o cromo em 5%, o estanho em fantásticos 74%.

Os arautos do apocalipse perderam a aposta. O mais importante é que eles não poderiam ter ganho, mesmo se tivessem investido em petróleo, alimentos, açúcar, café, algodão, lã, minerais ou fosfatos: todas essas commodities tinham ficado mais baratas.

Hoje, o petróleo é a mais importante e valiosa commodity comercializada internacionalmente, e sua importância para nossa civilização é ressaltada pela preocupação recorrente com que estejamos esgotando as reservas. No entanto, as estimativas estatísticas de seu esgotamento ocultam muito mais do que revelam. Um campo petrolífero típico produz apenas 20% do reservatório, sendo que perto de 63% permanece no subsolo mesmo quando são usadas as tecnologias mais avançadas.

Além disso, os economistas sustentam que o consumo energético per capita está em queda, devido a seu uso mais eficiente. As eficiências no consumo de combustível no setor automobilístico cresceram mais de 60% nas últimas três décadas, ao passo que a riqueza em geral produzida por unidade de energia dobrou durante o mesmo período.

-------------------------------------------------------------------------------- Mais de 80% do consumo de energia gerada pelo petróleo, seja na forma de eletricidade ou combustível, são usados em transportes casa-trabalho --------------------------------------------------------------------------------

Mas, embora os preços dos metais tenham caído, o preço do petróleo está atingindo altas recordes. A razão é simples: o emprego dos metais foi substituído por muitas alternativas, mas a maioria dos finalidades ainda necessita derivados de petróleo como insumos, e muitas décadas de esforços para desenvolver suficientes fontes alternativas de energia produziram escasso sucesso.

Portanto, sendo os substitutos para o petróleo não facilmente disponíveis, as sociedades modernas deveriam concentrar-se nas fontes de demanda, a maioria das quais é atribuível ao setor de transportes. De fato, mais de 80% do consumo de energia gerada pelo petróleo nas sociedades contemporâneas, seja na forma de eletricidade ou combustíveis, são usados em transportes casa-trabalho. Será todo esse consumo de petróleo realmente necessário?

Com a crescente contribuição do setor de serviços para o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, agora é o momento para reavaliar a necessidade de viajar para o trabalho. Os trabalhadores no setor de serviços movimentam-se entre casa e trabalho diariamente apenas para estarem presentes num ambiente que não tem necessidade econômica deles, pois esses trabalhadores estão facilitando muito mais um intercâmbio de informações do que a troca de bens físicos. Será que realmente necessitamos reunir fisicamente tantas pessoas para tão pouco ganho e a custos tão altos?

O custo não é apenas em termos de recursos naturais, que deveriam ser sustentáveis e legados a gerações futuras - e não exauridos por nossa própria geração. O aumento na quantidade de tempo gasto entre casa e trabalho é um freio tanto à produtividade nacional como à qualidade de vida nas cidades modernas. Uma pesquisa realizada na cidade indiana de Bombaim revelou que a viagem ferroviária diária média entre casa e trabalho é de 22 quilômetros, e sua rápida urbanização, assim como em grande parte do mundo em desenvolvimento, provavelmente resultará no alongamento dos deslocamentos urbanos diários.

Analogamente, o transporte aéreo de passageiros é dominado pelas viagens a negócios. Mas em vista da capacidade de transmissão de dados em alta velocidade das atuais tecnologias de telecomunicações e informação, hoje é possível reduzir substancialmente as viagens a negócios. Se, por um lado, o fenômeno da terceirização para o exterior está atenuando a necessidade de migração da mão-de-obra, a migração doméstica pode ser limitada ainda mais mediante o uso de escritórios domésticos, que poderão reduzir as pressões de demanda sobre o solo urbano, as redes de transportes públicos, a rede viária e aeroportos. Futuramente, as viagens humanas em geral deverão limitar-se cada vez mais a viagens de turismo e passeio.

Hoje dispomos da infra-estrutura tecnológica para levar a maior parte das informações relacionadas ao trabalho até os trabalhadores, permitindo que eles trabalhem em íntima associação. Isso exige uma mudança no estilo de vida - uma mudança que os governos deveriam começar a incentivar empregadores e trabalhadores a assumir.

Se o fizerem, a era do petróleo não terminará. Mas a era da preocupação com sua escassez talvez tenha fim.

Karuna Raman é vice-diretor geral associado da BSNL, uma estatal indiana no setor de telecomunicações. © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org